27 de janeiro de 2013

27 de janeiro de 2013

O dia mais feliz da minha vida, entre tantos… e eu seria um hipócrita de pensar assim.

Grande momento: um acadêmico de Jornalismo da hoje Unisociesc dava mais um passo no que ele alimentava como o “grande sonho do rádio”. Eu estava na Radio Clube de Blumenau, um programa independente nas manhãs de domingo, a rádio pioneira no estado, uma proposta descontraída, o que poderia dar errado naquele dia?

Eduardo França, o “Henri Castelli” dos tempos de Cedup, foi o artífice da ideia. Ainda teríamos conosco o talento de Cristiano Fink, publicitário de mão cheia, imitador enorme de Silvio Santos, Inri Cristo, Marcelo Resende, Gil Gomes, Pe. Quevedo… Chamava-se “Alô Blumenau”, uma aventura misturando seriedade e o lado cômico deste tipo de atração.

Mas lembrem-se: estamos em 27 de janeiro de 2013. Aquele domingo não era normal. Vi isso na feição de Ivo Hadlich. O Scheik, ator das antigas, grande amigo, persona histórica da cultura de Blumenau, me olhara fixo com a cara em pavor…

“Vocês souberam o que aconteceu naquela boate no Rio Grande do Sul? Jovens morreram! Um horror!”

Não sabíamos de nada, talvez a ansiedade pelo desafio do rádio nem fez pensar no que acontecia fora do estúdio. E naqueles dias, meu avô estava internado, numa das crises de pneumonia que ele tivera na parte final da vida.

Este jornalista e Eduardo França, no primeiro “Alô Blumenau”, em 27 de Janeiro de 2013 (Arquivo Pessoal)

Programa fantástico, era o começo e sai de lá ansioso pelo próximo domingo! Eu estava no rádio, enfim! O que poderia dar errado? Apenas rememoro a data: 27 de janeiro de 2013.

De lá, fui para o Hospital Santo Antônio. Seria o acompanhante do meu avô naquela tarde. Ainda me perguntando sobre a frase aterradora vinda do velho Scheik ator. Incêndio em uma boate gaúcha? Jovens morreram? Era mais um entre alguns casos de casas noturnas em chamas no mundo… outra tragédia deste porte?

Cheguei no HSA, corri para o almoço no restaurante interno. E ali, entre uma garfada de outra, tomei dimensão do que o Scheik dissera: não era um domingo normal.

Poderia rir das minhas mórbidas coincidências. Desde o início da trajetória no rádio, minhas “estreias” sempre tiveram um fato trágico acontecendo. Em Massaranduba, no estúdio da rádio comunitária, fiz minha primeira aparição nas ondas ao lado da inseparável Tamires Kardauke e noticiando a morte de Hebe Camargo.

Apenas por referencia: quando fui fechar minha ida pra União junto ao grande Ademir Buerger, fui para o Edifício Luterano com a sombra da morte do saudoso Ricardo Boechat, fresca depois da queda do helicóptero.

Mas estamos em 27 de janeiro de 2013. E depois de tudo, voltei pra casa com o estômago embrulhado. Efeito da batata frita no almoço que não tinha batido bem. Só queria um remédio e uma cama no escuro para dormir. Bem mais tarde que voltaria ao assunto do dia, e a dimensão da tragédia foi tomando proporção, o dia de estreia na Rádio Clube ficou para trás no choque de tudo.

É depois que baixa a fumaça que as histórias começam a aparecer. Na verdade, o peso de tudo começou a surgir três dias depois. Quarta-feira, 30 de janeiro, na voz raivosa e pesada de Alexandre Fetter, quando iniciava-se, após um pesado hiato de luto, mais um Pretinho Básico na Atlântida.

O programa abria com os acordes do Planeta Atlântida, a trilha em baixa, com uma necessária empolgação que se seguiu a uma catarse entre a tristeza, a obrigação da função, a raiva em busca de um aconchego.

Eram gaúchos sentido a dor de outros gaúchos, aqueles que tiveram que congelar, obrigatoriamente, suas vidas e projetos naquela madrugada de 27 de janeiro de 2013. O humor, a leveza da juventude ainda tão verde naquelas curvas da década passada foi trocado pelo medo, de que uma porta seria trancada, uma fumaça subiria, uma balada terminaria entre corpos carbonizados, chamas, celulares tocando em desespero, gritos e choros que não entendem o espetáculo dantesco premeditado, criminoso.

Fetter não me conhece, e acho que não me conhecerá nessas voltas, mas a eloquência daqueles dois Pretinhos do dia da saudade (outra mórbida ironia), o clima permeado que se arrasta a cada redescobrir daquela noite em Santa Maria é o mesmo que estava naquele estúdio da Atlântida FM gaúcha, falando de vidas gaúchas, de criminosos impunes em suas lágrimas de crocodilo e que, de lá pra cá, troca a reflexão do amor partido por adorações a políticos falidos, conservadorismos furados, radicalismos que fazem destes jovens apenas um bando de delinquentes.

Cruel… E a série está ai, o choque é sempre preciso ser lembrado. Eram acadêmicos como também eu o fui, todos com sonhos podados pelo fogo. Pelo fogo? A voz dos calmos humoristas lembrou em 2013: pela negligência cegada pelo lucro do divertimento. E esta impunidade não muda, não altera, passa para outros setores, mata de outras formas, com chamas, fome, raiva, cegueira.

Enfim… 10 anos depois, queria estar lembrando daquele dia risonho na Rádio Clube. Mas hoje, falando para os gaúchos como falo hoje, seria hipocrisia ser indiferente a dor de tantos que não acaba desde aquela noite de Santa Maria. Eram acadêmicos, sonhadores… como eu, como você.

27 de janeiro de 2013, todo dia, a mesma noite, e que a gente lembre, é doído, é preciso.

Deu por hoje.

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