“Tem na Americanas”

Quando criança, talvez o melhor pretexto para descobrir o mundo era ir com a mãe para a “cidade”.

Termo estranho, urbanisticamente falando, mas era (e é, até hoje) como os blumenauenses da gema chamam a região central do município. Onde tinha-se tudo, quase um outro mundo separado da periferia citadina, como o então Reino do Garcia que nem era reino, na brincadeira da palavra.

E dona Anelore abria a boca como missão do dia na “cidade” ao dizer que “ir a cidade e não ir ao shopping era como ir ao Vaticano e não ver o Papa”. Hoje diria que é exagero, se vive uma vida normal e divertida sem precisar tornar sacra uma visita ao Neumarkt, mas naquele tempo era algo como o “primeiro mundo” dentro da nossa realidade do dito “terceiro mundo” que se lia nos jornais.

E lá dentro, entre as marcas importadas, o ostensivo incentivo do “compre, compre, compre” e aquele point da azaração juvenil noventista, estava ela: a poderosa Americanas.

Nesses dias turbulentos para a outrora legenda comercial brasileira, impossível não navegar com certa estima e mesclas da atual decepção a esta página do passado. A tal da loja que “tinha de tudo”, aquela que o consultor do Tio Patinhas, “Omar Keting”, dizia que tinha “do alfinete ao carro de luxo. Do selo à reserva de passagens pra lua”, ou onde “o consumidor entra de cuecas e sai com tudo, tudo mesmo! Até o que não precisa!”.

História antiga! Tal como Pernambucanas e afins, Blumenau já conhecia a Americanas há tempos. Pouco antes das águas voltarem a subir em 1984, a rede lojista havia se estabelecido na cidade, no antigo Cine Blumenau, na Rua XV.

Em vagas lembranças, recordo de ter entrado naquela antiga loja também. Tudo muito nebuloso, admito, mas nada que não justificasse o que a Americanas era para aquela cidade interiorana, a terceira do estado: gigante! Enorme! muito grande! Completa sem faltar uma vírgula.

Não se assemelhava a um mercado, mas podia se comparar a um. Não era uma Havan, mas podia ter ensinado ao véio alguma coisa antes mesmo de fazer a primeira casa branca. E para uma criança, não era um parque de diversões, mas meio que enchia os olhos com cores, brinquedos, comida, por ai.

Dali para o Neumarkt, o grande point comercial blumenauense daqueles idos, foi um pulo. Era a principal âncora, tão grande que, hoje, várias outras lojas – inclusive de grande porte – ocupam o espaço que era dela naquele tempo.

Chegar de manhã por lá era um convite para ouvir, indiretamente, o grito de guerra da equipe da loja iniciando mais um dia. Ao menos, era o que minha mãe dizia estar acontecendo lá. Depois, era entrar e se perder… e realmente, perdi a conta de quantas vezes me perdia da mãe lá dentro.

Foi lá que conheci o que era o consumo: não podia sair de lá sem que a mãe levasse um carrinho em miniatura, desses de tamanho semelhante a Hot Wheels, para compor a coleção em casa. E tinha de tudo para encher os olhos de uma criança imaginativa: carrinhos, placas de sinalização, auto postos de combustível de plástico.

Comprar um Matchbox então? Sonho! Eram os mais caros e mais perfeitos! E vinham em vários modelos: caminhão-baú, maquinário de obras, carros de corrida… Escolher era difícil, e as vezes era compreensível que Anelore não me levasse junto, eu dava prejuízo.

Foi lá que descobri os CDs, a nova mídia que explodia de vez no mundo brasileiro daqueles idos com a promessa de “som sem chiado”. Os primeiros “discos laser” saíram de lá do cantinho que a loja reservava para os aficionados da música e vídeo.

Fora isso, a Americanas vivia na boca de muita gente como referencia, era lá onde o pessoal ia pra comprar o que faltava ou precisava em casa, pois sabia que ia encontrar. Na febre dos pisca-piscas no fim dos anos 1990, não era anormal você encontrar por lá gôndolas e mostruários lotados de caixas de piscas com 25, 30, 50, 100 lâmpadas.

Pote de plástico? “Vou na Americanas amanhã”. Suporte para o shampoo no banheiro? “Semana que vem vou na Americanas”. Começou a faltar meias? “Tem na Americanas em promoção”. Até lanchonete tinha lá, na área externa. E pasme, por causa da Americanas, garrei raiva de rissoles de frango depois de uma noite nada agradável (se é que me entendem).

Abria as gavetas, aquelas sacolas com a marca se multiplicavam. E garanto, não era só na minha casa, eram em todas as casas onde havia alguém que lia o slogam da loja na mente: “Grandes marcas, preços baixos, todos os dias”. Sem contar os comerciais, onde o frenético Luiz Antônio Galebe metia a cara para dar as promoções da semana. Uma espécie de “Carlos Moreno” da rede.

Houve a primeira saída da Americanas de Blumenau, por divergências com o Neumarkt, até sua volta já nos anos 2000 e sem mais o mesmo encanto de antes. Parecia quase uma conveniência de posto de combustíveis, pequena, pouco variada e sem o brilho gigante daqueles tempos idos. Pudera, estávamos ainda mergulhando no pique da compra virtual. “Loja física” parecia algo tão antiquado diante das mudanças do mundo todo conectado.

E agora, com essa coisa quase primitiva no Brasil de se surfar na onda sem perceber o que se administra na verdade que aquela varejista de outros tempos entrou na lista da infâmia comercial brasileira. Rombo, problemas administrativos, desconfiança, desvalorização, retratos de uma ilusão de estabilidade econômica ou de irresponsabilidade de gestão?

Não sei, nem quero saber porque quero evitar entrar na seara da ilusão de tantos empresários brasileiros e seus imediatismos impregnados de exageros, ranços políticos e temores. A Americanas, que era vermelha de nascença, assiste seu próprio império riscado com o vermelho das dívidas e buracos monetários que a cercam.

Assim, lembranças como essa ganham mais sabor de nostalgia. No tempo que vermelho não era sinal de briga de família, mas de um dia perdido nesse pequeno universo consumista que fazia esquecer o mundo e a economia lá fora. Onde loja física era ponto de encontro, a solução dos problemas do dia, o brilho nos olhos de crianças, consumidores e gerentes.

Enfim, não volto mais as Americanas. É a vida…

1 comentário em ““Tem na Americanas””

  1. Parabéns André, pela bela lembrança, e que bela recordação nostálgica!! Realmente é bom rever e relembrar está época!!!

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