(Fotos e materiais: Adalberto Day)
Quando o assunto é futebol, confesso que não entendo lá estas coisas como outros colegas jornalistas que seguem o esporte como religião. No entanto, em momentos dá para dar alguns pitacos e promover alguns debates com os amigos em qualquer lugar. No entanto, ao se falar de história relacionada ao nobre esporte bretão, a coisa muda um pouco de figura. Passam pela mente momentos históricos, folclóricos, personagens, clubes e partidas que não se apagam ao fim dos 90 minutos.
E em se tratando de memórias e histórias do futebol, Blumenau é um baú rico em contos emocionantes. Todo blumenauense que conhece o futebol da cidade sabe que não é fácil fazer a bola rolar por nossas bandas. Dificuldades financeiras, desconfiança de empresários e uma parcela de torcedores que mais debatem assuntos do que apoiar as agremiações que tentam se destacar e, se assim for, trazer o título catarinense para cá. Apesar de tudo, a bola ainda rola, assim como as histórias que pipocam a cada partida.
E cada um torcedor tem sua lembrança, sua recordação, seu sonho. Os alviverdes do Metropolitano sonham em ser grandes e, os tricolores do BEC anseiam e querem voltar aos gramados e glórias, os saudosos do Olímpico recordam as façanhas daquele que é o único blumenauense campeão estadual. Ainda há as memórias dos tempos de boleiros do Guarani e do Vasto Verde, fora outras legendas amadoras que estão na ativa ou na memória. No entanto, quando o assunto é Amazonas Esporte Clube (AEC), o anilado do Garcia, a coisa vai muito além das memórias e de grandes jogos. Afinal, trata-se de um clube que viveu o seio de uma grande história, tanto no esporte quanto na vida de cada um que lá jogou, torceu ou, simplesmente, conheceu a legenda alvi-celeste.
Proletário, mas perigoso e respeitado
Criado em 1911 e registrado em 1919, o Amazonas pode se considerar, seguramente, o primeiro time de futebol organizado em Blumenau. Era um grupo de entusiastas da bola conhecido como Jogadores do Garcia vindos, na grande maioria dos corredores da Empresa Industrial Garcia (EIG) e que já conheciam as manhas do futebol praticado desde o início do século na redondeza. Nada que não fosse normal, afinal era comum naquele tempo as empresas montarem equipes futebolísticas de operários, sendo muitas existentes até hoje.
As primeiras partidas do clube eram disputadas em um estadio improvisado num pasto onde, hoje, é a sede do 23º Batalhão de Infantaria, na Rua Amazonas. Tempo depois, o AEC mandava os jogos num campo próximo a antiga Rua Mirador (hoje, Rua Ipiranga) e, posteriormente por um breve período, em um campo próximo a Artex, na Rua Progresso, próximo a um bar conhecido como Bar do Iko.
Enfim, em 1926, o Amazonas foi para o local definitivo e, até hoje, lembrança de orgulho da saudosa torcida anilada: O majestoso Estádio da EIG, a beira da Rua Amazonas, junto do complexo esportivo ali formado próximo a própria EIG. Considerado por muitos o mais belo de todo o estado à época.
Mesmo sem cobertura para a torcida e abaixo do nível da rua, o local era uma casa aconchegante e que também servia de palco para eventos históricos da própria EIG ou de outros setores da comunidade do Garcia. Para muitos moradores, os mais vividos por assim dizer, as recordações de partidas inesquecíveis naquele campo são memoráveis. Clubes da região e de outras partes do estado que pisavam por lá corriam o risco de serem arrebatados ou sofrerem muito para arrancar a vitória do esquadrão alvi-celeste, que transformavam o campo num verdadeiro alçapão.
Apesar de ser considerada uma equipe proletária, o Amazonas não devia em nada também no quesito elenco e estrutura perante times de maior destaque e, especialmente, seus rivais citadinos mais ricos: Palmeiras e Olímpico. Os derbies envolvendo cada um dos times eram sempre regados de emoção, rivalidade e aquelas provocações saudáveis. Era o time dos empregados da Garcia contra a agremiação da nobre Alameda Rio Branco ou o famoso time do povo, aquele cujo os torcedores, na maioria, eram moradores da Farroupilha, a simpática favela aos pés da ETA I.
Entre 1919 e 1944, o AEC viveu um tempo áureo dentro do amadorismo e vários torneios citadinos foram vencidos, como o de 1939, promovido pelo Olímpico para a inauguração do seu estadio, na Alameda. Ou ainda, como o certame organizado no mesmo ano para celebrar os 20 anos do Brasil, fazendo novamente o papel de convidado indesejado dos rivais. Não era a toa que era considerada uma das melhores equipes do estado, um simples grupo de operários blumenauenses estava assombrando os gramados de várzea (e profissionais, em alguns momentos) de Santa Catarina, e não pareciam haver limites.
Com a chegada dos tempos da Segunda Guerra, o time teve de alterar o nome, assim como tantas equipes que passaram pelo mesmo contratempo pelo país. Isto se devia ao decreto federal baixado naqueles idos que exigia que equipes que tivessem nomes de cidades, estados ou países mudassem a denominação, especialmente aqueles que lembravam países do chamado eixo (Alemanha, Itália e Japão).
Em Blumenau, o Brasil virou Palmeiras, o América virou Guarani e o Amazonas perdia o S no final, virando oficialmente Amazona Esporte Clube. Isto depois de um curto período atuando sob o nome de Aimoré Esporte Clube, em 1944. Apesar disto, o nome original ainda era muito citado, muito embora a denominação Amazona ainda constasse em vários documentos e jornais daqueles tempos.
Era o fim da fase áurea, mas não de uma história ainda cheia de lances heroicos, tristes, alegres e inesquecíveis para os anilados.
Anos 60: Futebol a lenha e a volta depois da calamidade
Naqueles tempos do futebol quase artesanal feito pelas equipes de interior de estado, toda a sorte em dificuldades e contratempos estavam a beira do caminho. Assim como as demais equipes de Blumenau, o AEC também tinha seus imprevistos, sofreu perdas e conseguia se manter vivo graças também a abnegadas diretorias e torcedores que não deixavam a bandeira azul cair por terra. Empurrados pelas marchinhas e gritos, os torcedores defendiam o clube nos grandes desafios que vinham. Nos campeonatos citadinos, algumas participações discretas mas sempre um adversário ruidoso pra se encarar, faturando vitórias em partidas inesquecíveis no decorrer dos anos.
Os anos passavam e a lista de adversários aumentava, tendo sempre Palmeiras e Olímpico na lista dos mais ruidosos no campo. Mas nada se comparava aos jogos contra o rival de bairro – o extinto Clube Atlético Progresso, do bairro Progresso – que davam o que falar por dias no Garcia. Certa feita, em 1957, a equipe e a torcida saiu festejando pela rua animada depois de uma vitória sobre o adversário favorito do bairro, cantando a seguinte marchinha:
Passa pra lá!
Passa pra cá!
Arreda do caminho que o Amazonas quer passar!
Nosso goleiro é um destemido
Os nossos beques de real valor
Alfaria vai chutando pra frente
E a nossa linha vai marcando gol!
Em 1961, um grande revés pegou de surpresa o clube. Em 31 de outubro, uma violenta enxurrada causou inúmeros prejuízos e mortes na região do Garcia. Todo o complexo esportivo do AEC foi atingido pelas águas do Ribeirão Garcia, levando documentos, troféus e danificando seriamente as instalações do clube. A cena restante da tragédia causou desolação, ainda mais pelo fato de três vitimas da enxurrada serem encontradas presas nos alambrados das quadras do complexo, eram três crianças levadas pela correnteza desde as imediações da Rua Emílio Tallmann.
Veja como foi a devastação da calamidade no campo e sede do AEC:
Sem campo, já que o gramado foi todo danificado, o AEC treinava num local improvisado construído próximo a então Praça Getúlio Vargas (hoje, a curva que separa a Rua Progresso da Rua da Glória). O complexo foi reconstruído e reinaugurado quase um ano depois, com um amistoso festivo contra o tradicional e forte Marcílio Dias, de Itajaí. O anilado saiu ganhando na primeira etapa mas permitiu o empate no fim da etapa inicial e acabou tomando uma sonora virada do marinheiro no segundo período, perdendo por 6X2.
Era a comprovação de que uma equipe não era construída apenas pelos seus diretores, mas por todos que estavam a volta dela. Depois de alguns tropeços em campeonatos oficiais durante a década, o time desativa o departamento profissional de forma temporária, mantendo-se no amadorismo. Ainda sim conquistando torcedores e lotando o estadio, ainda mais bonito do que antes da calamidade. Isto sem falar que naqueles idos regados a Jovem Guarda, o campo virou o point da juventude enluarada daqueles idos, que vez em quando curtia tardes de domingo românticas por entre arquibancadas e muros das instalações.
Um grande momento do estádio do AEC, sem dúvida, foram as festividades alusivas aos 100 anos da EIG, celebrados em 1968. Desfile indígena, atrações e até partida comemorativa foram as marcas daquele dia. O anilado teve parte nas comemorações, atuando naquele ano com um uniforme especial.
O anilado desaparece
Chegava 1970. Uma nova década para o anilado cruzar e buscar novos horizontes com o esquadrão daqueles idos. No entanto, aquele período que começava promissor, apontando uma possível volta ao profissionalismo e aos torneios estaduais, não veria o AEC nos gramados ao final dela. Ao mesmo tempo que a bola, o mercado têxtil daquela esquina do Garcia com a Glória também rolava. Artex e EIG estavam se aproximando, por conta de movimentos políticos, para um dos movimentos empresariais mais importantes da história de Blumenau.
Ainda no início daquela década, o AEC conseguiu conquistar os campeonatos da Liga Blumenauense de Futebol (LBF) de 1972 e 1973, com campanhas fortes e consistentes, o que anima o então presidente do clube, Valdir Righetto, a cogitar a volta a um campeonato profissional, no caso o Catarinense de 1974. Infelizmente, no movimento das cartas no baralho do mercado têxtil, a Artex estava já no processo de incorporação da EIG, iniciado ainda em 1973 e terminado à 15 de fevereiro de 1974. Com o futuro nebuloso, o Amazonas estava praticamente condenado a morte por decisão da nova diretoria, que decidiu encerrar as atividades do clube, de maneira oficial, em janeiro de 1975.
A decisão revoltou dirigentes, jogadores e torcedores, chocados com a frieza da decisão que colocava um fim no sonho do velho clube anilado. Alguns destes não conteram a revolta e saquearam a sede social do AEC, levando o que podiam. Camisas, troféus, quadros, recordações quaisquer do time que amaram, torceram e por ele trabalharam. Ironicamente, o AEC (ou o que sobrara do time) ainda conquistaria para a Artex naquele 1974 o Campeonato Sesiano de Futebol, torneio promovido pelo Sesi e cuja equipe representava a empresa dos Zadrozny. Na final, a equipe bateu a Móveis Cimo, de Rio Negrinho, por 2X1.
Antes do fim, o AEC teve tempo para uma última conquista. Foi na Taça Governador Colombo Machado Salles. O torneio envolvia, alem do Amazonas, as equipes do União (Timbó), Marcílio Dias (Itajaí), Carlos Renaux (Brusque), Tupi (Gaspar) e Humaitá (Nova Trento). Foi um campeonato difícil, alternando bons e maus momentos, mas que acabou de forma feliz para o anilado. No jogo final, em julho de 1974, o AEC bateu o Humaitá por 5X1 e garantiu a taça em sua última partida oficial.
Do belo estádio, o Amazonas já havia se despedido ainda em maio, como diz o relato do cientista social, pesquisador da história e amigo de A BOINA Adalberto Day: Foi em 26 de maio de 1974, um domingo bonito com sol mas sombrio pela circunstância, que o Amazonas se despediu para sempre do seu magnífico estádio. Uma baixada que foi impiedosamente aterrada, pela Artex, em trabalhos de terraplanagem executado por duas possantes maquinas da Construtora Triângulo. O AEC vence o Tupi de Gaspar por 3×1, com dois gols de Bigo e um de Tarcisio Torres, pelo campeonato Taça Governador Colombo Machado Salles.
As poucas – e felizes – lembranças
Curiosamente – e logicamente – das memórias do saudoso AEC não restou nada nas atuais instalações da Associação Artex que contem esta história. Com os saques após o anuncio do fim do clube, a empresa dos Zadrozny não guardou nada em arquivo sobre o filme e tampouco pode contar sobre a agremiação, a não ser a memória de alguns poucos funcionários de larga experiência nos corredores da atual Coteminas que ainda recordam – e com saudade – das aventuras da equipe alvi-celeste do Garcia.
Mas quem pensa que do Amazonas só restam palavras engana-se. Grande parte do acervo que restou do anilado está concentrada na casa de Adalberto Day, sempre conhecido por nós como referencial desta e de tantas histórias de nossa cidade. Torcedor fervoroso do AEC, Beto tem consigo relíquias sem preço de um passado de glórias e encantamentos. São bandeiras, camisa, fotos, troféus e figurinhas, recortes que deixam para as próximas gerações a lembrança e a comprovação da existência de uma lenda azul-celeste. Alias, quem quer se aprofundar em dados sobre o AEC pode dar uma chegada no blog do Beto, só clicar aqui e iniciar a pesquisa!
Também, de tempos em tempos, ex-jogadores e torcedores do AEC reúnem-se em animados encontros de veteranos dos gramados. Uniformizados, entre um gole de cerveja e outro, recordam as passagens no gramado e nas arquibancadas, numa forma tocante de manter viva a memória do clube entre seus membros dentro e fora das quatro linhas. O último encontro, regado com uma deliciosa feijoada, foi registrado em 2015, tendo a presença do prefeito Napoleão Bernardes, ex-jogadores e anilados de outros tempos.
Veja, em imagens, como foi aquele grande encontro:
Nos compêndios da história do time, os grandes nomes anilados ficaram registrados pelos feitos em campo. Só para citar alguns registram-se as figuras de Nena Poli, Rudolf Rosumeck, Antônio Tillmann, Ziza, Nino, Deusdith de Souza (vereador anos depois), Nilson (Bigo), Tigi, Meyer, Tarcísio Torres e tantos outros, até mesmo a presença de Rodolfo Barteczko, conhecido por Patesko, ex- jogador de Palmeiras, Botafogo e Internacional que os mais idosos dizem ter visto jogar também com as cores do AEC. Graças a estes tantos, a sala de troféus do AEC era recheada de conquistas. Troféus que não deixavam dúvidas quanto a qualidade dos elencos que lá passaram.
Tentativas de voltar, apesar de discretas, existiram. Nos anos 90, uma parceria com boleiros de fora do estado prometia trazer o clube de volta, mas sem sucesso. No entanto, um pequeno grupo de jogadores amadores do Progresso reviveu o AEC há alguns anos atras, com direito ao icônico uniforme azul e branco e tudo. Ficou no amador, mas a lembrança do clube, ao menos, ainda rola por gramados em alguns cantos da cidade. Está parado atualmente, mas a expectativa é que volte a jogar no amadorismo por este ano.
Foi-se o azul dos campos, ficou a história para o futuro. Se hoje ainda há a persistência no futebol profissional da cidade-jardim ela se deve a aventureiros como os rapazes do Amazonas, que assombravam os adversários com a garra criada dividindo o tempo entre a bola e os teares. Uma trajetória que fez Blumenau descobrir-se para o nobre esporte bretão entre tantas outras legendas do passado, hoje marcadas apenas nos livros e nas memórias de quem vivera aqueles tempos.
A memória do AEC não se acabou ao fim dos 90 minutos em 1974. Enquanto houver um anilado, sempre existirá para o futebol de Blumenau o perigoso Amazonas.
André,
Brilhante postagem sobre o time que possuía mais sócios que todos os outros juntos da cidade. Na época em 1973 possuía mais de 3500 sócios. O Amazonas é paixão ainda hoje, crianças vestem a camisa do clube e se dizem amazonenses. Foram vendidas quase 400 camisas só em 2015. Um time que foi paixão, é paixão, é história, é o primeiro clube de Blumenau de Futebol. Anteriormente o futebol era praticado somente por equipes formadas pelos jovens do “Turnverein Blumenau – Sociedade de Ginástica (1873-1942)” e operários da Empresa Industrial Garcia, depois Amazonas Esporte Clube. Os jogos eram realizados nos finais de semana, próximo ao hotel Holetz, hoje Grande Hotel. O Pasto era aos fundos, onde hoje se localiza a Casa do Comércio.
O time anilado e ou alve celeste fez história e vai continuar sendo história enquanto existir um torcedor ou historiador que contar a verdade sobre essa agremiação que a empresa Artex aterrou impiedosamente seu estádio, destruiu o clube e ela própria.
Salve e avante clube mais querido de Blumenau.
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau.