(Fotos: Angelina Wittmann e Arquivo Ferrovias do Brasil)
Blumenau, 13 de março de 1971…
Que dia difícil de recordar. Não parece muito humano você se emocionar por uma fria máquina de tração a vapor, mas para o bom blumenauense amante da história rever este momento de nosso passado doí um pouco. Foi neste dia a tarde que Blumenau, contra a própria vontade, assistia o partir de uma amiga de muito tempo, parceira no desenvolvimento de nossa terra e por onde navegaram poesias, histórias e amigos. Lenços brancos sacolejavam pelo trajeto na última passagem do velho trem pela cidade, que completa neste domingo 45 anos.
Uma tarde complicada, não por algum problema na viagem, mas porque toda despedida fere e dificilmente é esquecida. O trem, velho irmão de outros tempos, nos era arrancado do seio por força política de autoridades federais que não pensaram adiante em seu uso. Quando esmurramos o ar pedindo a Ferrovia do Frango, na nossa luta feroz em busca da passagem do trajeto pelo Vale, jamais esquecemos da ferida que, em tantos pontos da cidade, vemos marcas indeléveis. De tempos em que o desenvolvimento corria sobre trilhos e era movido a vapor e a vontade de ser muito mais do que um ponto solo no estado.
O começo e a persistência
A Estrada de Ferro Santa Catarina (EFSC) nasceu em 1909, fruto da ideia de construtores que sonhavam alto mesmo em tempos difíceis. A ambição era grande, ligar o ainda pequeno Porto de Itajaí até a Argentina, com um entroncamento na linha Rio Negro-Vacaria, em Ponte Alta (entre Curitibanos e Lages) e outro no ramal Itararé- Uruguai, em Herval d’Oeste, até chegar a fronteira em Dionísio Cerqueira. Parece loucura pensar tudo isso no inicio do século XX, mas eram reflexos da necessidade de fazer das pequenas cidades com cara de vila verdadeiros municípios, coisa que já se tornavam com o empreendedorismo valente daqueles tempos.
Um ano antes, 1908, Blumenau já ouvia pelas terras ainda pouco exploradas da recém
emancipada cidade um apito diferente. É que chegava na cidade, a bordo do Vapor Klobenz, a primeira locomotiva a vapor para o início dos trabalhos na ainda em construção EFSC. A máquina foi produzida em Berlim e teve como primeira missão transportar os materiais para a construção do primeiro trecho – Blumenau-Warnow
(Indaial), que seria aberto no ano seguinte. Apesar de tímida no tamanho, a pequena
máquina tinha força para puxar pesadas composições com autoridade. De seu apito marcante e corpo semelhante a um pássaro surgiu o apelido famoso: Macuca, nome que a acompanha até hoje, no seu retiro em frente a prefeitura.
Junto da linha, Blumenau ganhava também a estação de trem, localizada onde hoje está a Prefeitura e que funcionou como tal até 1954, quando a nova estação foi inaugurada na atual Rua Martin Luther. A chegada do trem mostrou-se uma senhora opção de deslocamento rápido entre as principais cidades do Vale a medida com que cada uma era alcançada pelos trilhos. Ibirama, Ascurra, Apiuna, Rio do Sul, pouco a pouco a EFSC ia se expandindo até culminar em Braço do Trombudo, onde seria o seu ponto máximo, jamais sendo ampliada dali.
Apesar de restrita em investimentos, a EFSC ainda prestava serviços relevantes a toda a comunidade no transporte de passageiros e mercadorias pelo Vale. As locomotivas prosseguiam o ballet pelas sinuosas curvas do leito dos trilhos levando a cada viagem um pedacinho de nosso progresso. Eram tempos dourados, onde passear numa máquina a vapor, aguardar na estação ou, simplesmente, vê-la passar diante dos trilhos era um deleite para os olhos e inspiração para os poetas.
Dificuldades e a erradicação
Mas nem tudo segue como a linha manda. Com o isolamento e a falta de expansão da malha ferroviária aos objetivos outrora traçados, a EFSC nunca saiu da condição de excluída de outras ferrovias importantes, como a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina (RVPSC), uma das mais antigas do sul e um dos pontos que seriam alcançados pela Estrada de Ferro. Em 1950, a EFSC foi incorporada a Rede Ferroviária Federal (RFFSA), mas apenas por mera casualidade, já que os investimentos prometidos nunca apareciam e, somando-se a abertura do asfalto da BR-470, o trem viu-se numa sinuca de bico, ainda menos importante no transporte de mercadorias e passageiros, sempre o seu forte.
Os tempos pareciam conspirar contra, acidentes, locomotivas a vapor ultrapassadas (para a época, claro), falta de investimentos em ampliação e descrédito de empresas que viam a rodovia como um meio mais rápido e seguro de transporte de cargas. A população das cidades do Vale, especialmente Blumenau, não queria, mas aconteceu. A caneta de Brasilia foi mais forte e, alegando-se ser anti-econômica, a EFSC teve a morte decretada em 1971.
A viagem triste da última composição foi motivo para uma bela crônica de Luiz Antônio Soares para o jornal A Cidade, na edição do domingo, 14 de março, um dia após a fatídica partida.
Eis o texto:
Ouço ainda, na meditação das minhas reminiscências, com meus ouvidos de criança, aquele barulhento passar do trem, gostoso como só, amassando as nossas maldosas pedrinhas sobre os trilhos, que as vezes, por serem mais que pedrinhas, resultavam num bom raspe de mão do bigodudo maquinista.
Lembro-me bem do apito … Ele era longo, pontual e por causa dele, na hora da correria, muita bolinha de gude eu perdi.
Tenho ainda na memória as marcas das varadas que levei bem aqui, pela imprudência de me aproximar – como numa gigantesca e perigosa aventura – daqueles vagões que ajudei a desbotar com meus dedos, ainda manchados de um vermelho surrado de sol.
Quem ficou verdolengo à beira dos trilhos não esquece. Não pode esquecer. O trem foi o brinquedo grande das crianças pobres. Aquela gente toda nos abanava e nós sorríamos contes e orgulhosos quando alguém nos jogava um bombom ou um simples papel colorido.
Agora esse golpe.
Quem poderia imaginar que as crianças de amanhã não terão a a mesma sorte que eu tive? A delicia de furtar uma voltinha de vagonete na ostensiva distração do feitor. O saltitar infantil sobre dormentes que apodreceram aos nossos pés descalços. E aquele calor afetivo quando nos deitávamos sobre o trilho, ouvindo o barulhinho distante, anunciando que o trem já vinha …
É de não se conformar.
Já se viu meu Deus, já se viu criança a beira dos trilhos, nem ver o barulhento passar do trem ???
Coube a velha 331 a tarefa dolorosa de fazer o rescaldo dos vagões que ainda estavam pelas estações da EFSC pelo Vale, como o fez em Blumenau. No passar da última composição, lenços brancos na beira dos trilhos davam um adeus emocionado a velha amiga de outros tempos. José Pacheco, o maquinista daquela última viagem não podia conter a tristeza e o certo nervosismo, repreendendo com raiva filhos de ferroviários que, inerentes ao momento, apitavam freneticamente um apito na cabine da locomotiva.
Que dia difícil. Aquele silêncio sepulcral tomou conta das antigas estações. Não se sabia o destino delas, da majestosa oficina e pátio de manobras na Itoupava Seca e, muito menos, das locomotivas que ali estavam. Muitas delas foram desmanteladas cruelmente depois de um período de abandono próximas a estrada na Rua São Paulo. Tinha quem aplaudia, afirmando que o trem tinha virado transporte de pobre, pobres mortais que eram por não saber que hoje, o trem faz uma falta imensa na economia, no transporte e em nós mesmos.
Rescaldos e a lembrança
Algumas estações sobreviveram, como a segunda estação de Blumenau, de 1954. Hoje, abriga uma clinica veterinária na Martin Luther, talvez tendo-se um tanto de negligência do passado que aquela estrutura carrega. Outras estações pelo Vale, ou viravam casas, ou museus ou, simplesmente, eram abandonadas.
Feliz mesmo foi a preservação das antigas Oficinas da EFSC. Abertas a operação em 1946, os galpões abrigam hoje as instalações do Campus II da FURB, que usufrui da propriedade desde 1974. Os antigos letreiros na fachada do antigo galpão principal seguem preservados numa eterna lembrança da velha estrada de ferro que ali passava.
Pelo Vale sobraram lembranças da EFSC. A parada do Capim-Volta, no Vorstadt, a parada Figueira em Gaspar, as pontes em Lontras (sendo a Ponte 16 a mais famosa) e no ribeirão do tigre, em Blumenau, a estação São João, em Agrolândia, abandonada no meio da mata, tantos recortinhos pequenininhos de uma história tão grande que, hoje, as fotos contam melhor do que muita coisa.
Veja alguns destes lugares preservados pelo tempo. Não são todas as estações, apenas algumas imagens pitorescas que refletem bem a história. As fotos são dos arquivos do Antigamente em Blumenau, de Anthar Cesar Hartmann, Marcelo Frotscher, Luiz Carlos Henkels, Angelina Wittmann e demais colaboradores do site Estações Ferroviárias do Brasil, onde mais fotos podem ser vistas.
Ainda em 1984, os trilhos remanescentes do Vale foram de grande ajuda no transporte de mantimentos para as vítimas da enchente que assolava a região outra vez. Depois disto, os mesmos trilhos passaram apenas a ser parte de história. Ao menos em Blumenau…
De repente, um apito entre bromélias
Era maio de 2010 quando, depois de um trabalho mais do que dedicado dos desbravadores da história da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF Regional Santa Catarina) que o Vale voltaria a ver a velha maria fumaça outra vez. Na localidade de Subida, em Apiúna, eram restaurados 27 Km de estrada de ferro entre Rio do Sul e Apiúna, passando pela Usina de Salto Pilão, para uma verdadeira volta ao tempo. Puxada por uma locomotiva Baldwin n º 232, era aberto no dia 13 daquele mês o trecho que serviria de passeio turístico no sacolejar dos trilhos no Alto Vale.
Foram anos de projeto e restauro minucioso da linha, da locomotiva e vagões para chegar-se ao resultado final. Era o fim de 35 anos de ausência no Verde Vale até a volta gloriosa da Maria Fumaça ao leito, com o apitar firme e a passada forte por casas, pontes e pessoas, jovens que nunca haviam visto a velha máquina e velhos que, se recordavam bem daquele tempo, derramaram alguma lágrima ao voltar, brevemente, a infância.
Sinta só o clima dos passeios:
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Os passeios são programados duas vezes por mês, dependendo da demanda de passageiros. Para consultar as datas dos passeios e o trajeto exato basta dar uma voltinha pelo site da ABPF Santa Catarina, ou telefonar no (47) 3644-5077. Este jornalista ainda não teve a chance de fazer esta viagem no tempo, mas brevemente – e com a ajuda do tempo que sobrar – o fará sem dúvida.
Enquanto isso, naveguemos um pouco mais na história, nos ecos que sobraram dos apitos do passado, de tempos onde o tilintar das locomotivas sob os trilhos era sinal de progresso, velocidade e futuro. No tempo que o trem mandava e que Blumenau era mais um município nesse Brasil afora calçado sob trilhos de progresso e poesia.
André, parabéns por esta postagem sobre a EFSC, infelizmente desativada em Blumenau dia 13 de março de 1971.
Convido todos inclusive voc~e André ler uma de minhas postagens sobre o assunto. http://goo.gl/NT1FSs
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau
EU DEVIA TER MEUS 7,8 ANIHOS QUANDO PELA PRIMEIRA VEZ VÍ PASSAR O TREM NAS TERRAS CORTADAS PELA FERROVIA NA “PITANGUEIRA”EM AGROLANDIA ,DEVO TER GRITADO:MEU DEUS QUE MAQUINA MAIS COMPRIDa.
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