BCX 2024: Blumenau é (definitivamente) pop!

Portuga, nós vamos escrever a história nessa cidade!

Domingo, 18h. Depois de quase uma semana de boa ansiedade era chegada a hora de mostrar o que sabia fazer. Nervoso, ansioso, curioso por tudo, aguardava a voz eletricamente alegre de Eva Pepper me chamar ao palco. Estava sob o olhar da Su Junkes, doce e cálido, repetindo que ia ser “lindo”, que eu “ia dar aula”, que “já tinha dado certo”.

Subi, fiz-me de perdido para entrar na graça e alegria do momento e me encontrei com Eva para a passagem de bastão. Montada na elegância e no brilho, ela acolhera-me diante da plateia ávida pela atração que viria. Eva desce o palco, tudo comigo, era a hora de escrever a história daquele dia.

Apenas daquele dia? Receio que não. A minha cabeça flutuava em mil pensamentos, entre a condução do trabalho e o significado de tudo aquilo. No olhar de cada um na plateia abaixo, o brilho indefectível de fã, admirador, orgulhoso adepto daquele mundo pop cujo a qual fora um dia. Tão grande brilho, podiam apagar as luzes do palco que eles garantiriam a iluminação daquele ponto em particular.

(NPCA)

E enquanto o animado dublador fazia subir a adrenalina daquele instante, pensava cá comigo em mil perguntas…

Quantos poderes mágicos são precisos para sair do sonho e viver o real como se fosse ele o sonho dentro de páginas de mangá?

Quantas fases de um RPG é preciso atravessar para peitar a persistente e tacanha incredulidade de que somos Pop muito além do fritz e da frida?

Quantos passos dentro de uma precisão asiática são necessários para colocar as roupas descoladas e as nuances melódicas coreanas ao lado do tradicional “deutche musik”?

Quanto mais é preciso para respirar fundo na entrada do Setor 1 da Vila Germânica das Oktobers da vida e bradar que “escreveu-se a história!”?

Este “escrever a história” é tão extensivo quanto o termo que o comporta. Transcende a ideia, encontra lugar no material de cada canto deste miniuniverso e vai morar em cada um que pisou por dois dias naquilo que era um mero rascunho de papel, um croqui de espaços e um roteiro de palco. A fantasia, que é parte do universo de games, animes e filmes, e que move tantos a vivê-la como se fossem parte dela, sobretudo numa reunião como esta.

(Lucas Prudencio)

Ao meu lado, Claudio Galvan. Um cidadão carioca de alegria incontida. Nascido na Tijuca, exercia a canção como quatro de seus conterrâneos na cidade maravilhosa (Tim Maia, Erasmo Carlos, Lamartine Babo e Tom Jobim). Mas além da arte que lhe pulsava, entre canções e atos teatrais, a voz de um pato legendário e de tantos outros ícones de parte deste mundo pop.

Galvan, um dublador, cujo anonimato sentenciado do início de carreira transformou-se na gratidão e deslumbre de tantos fãs e admiradores ao assisti-lo ávido por ouvir dele as vozes que os moviam. Já tinha sido assim naquele fim de semana, quando conseguimos colocar no mesmo lugar o ouriço mais veloz do mundo, a avó mais louca por abacates que conhecemos e o mais ilustre dos cidadãos de Springfield no mesmo lugar: a “reles cidade de interior” que muitos ouviam dizer.

Começamos a conversa, extensão dos risos e trocas que tivemos momentos antes do grande ato. E não escapava de mim pensar: em 2023, descia a grande reta de Interlagos a 180 por hora enquanto tentava conter o misto de emoção e uma certa frustração pessoal por não estar, de fato, escrevendo a história com estes “atrevidos petulantes” que resolveram transformar a casa de Heinz Geyer num cenário típico das lutas de Goku ou das esquinas do Counter-Strike.

Longe, mas perto: nas mal traçadas linhas do ano anterior exultava o sucesso e a prova maior de que este feudo germânico é Brasil, é Pop como qualquer outra esquina do mundo. E convidava ao desafio os conservadores de pensamento que condenaram ou trataram diminutamente ou com desdém algo nesta proporção.

Sim, estava escrita a história, e ela continuaria a ser escrita por mais um capítulo. E quem, de fato, a escrevia?

A apresentadora oficial, Gisele Scopel, e o criador de conteúdo Luba (Giovanni Custodio da Silva)

Não eram apenas eu ou este time que comprou a briga contra o velho paradigma do “ser alemão para ser história”. Ali embaixo, naquela plateia, tinha um sem-número de corações jovens e velhos que tiravam um tempo da vida para serem seus personagens, viverem seus universos. Os traços do anime, a realidade de games e livros fantásticos, a puerilidade saudável da animação e dos filmes, era a casa deles, a minha casa.

A Blumenau Comics Experience, a BCX para este e tantos íntimos, transcendeu o significado de ser apenas “história de Blumenau”. Para um pesquisador como eu destes tantos elementos que fizeram e fazem a capital da cerveja ser o que é, a concentração do mundo geek vivida nos últimos dias 27 e 28 de julho ultrapassa compêndios e números: tem a ver com sonhos, com portas abertas e lágrimas alegres de ver, tocar e ouvir o que é de seu mundo particular, sem dedos apontados ou olhares estranhos.

Era como você se desligar do provincianismo comum de qualquer uma ação lá fora e se colocar em outro lugar. Quem lá esteve, procurava tudo isso. É bem mais do que produtos e concursos, mas a identificação de um estilo, de uma atitude que também está caminhando nas esquinas do Vale e, depois de tantas tentativas infrutíferas do passado, encontrava seu espaço para ser e crescer. Tudo isso sem roupas de fritz/frida dentro da Vila Germânica de mil Oktobers passadas.

(Giovanni Custodio da Silva)
(Giovanni Custodio da Silva)
(Giovanni Custodio da Silva)

Eventos como este, você pode pensar, se resumem na frieza de números e projetos, na organização e no corre dos registros. Mas ele vão bem além, e aqui falo de amor, ternura, deslumbramento, identificação e gratidão. Quem estava lã, cosplayer, gamer, leitor dos quadrinhos ou nerd convicto, queria sentir o calor de estar em volta de tantos iguais. E não só eles, mas os curiosos, com um certo tom saudoso nas lembranças, revisitando a juventude e estes deslumbres fantasiosos tão reais.

Real? O que troca a emoção de você, em boas vezes, ter a vida transformada por algo que, para muitos incautos, é “bobiça”? A frieza de alguns talvez nunca entenderá o que é ter uma pessoa tão longe de você movendo sua imaginação e risos ou, ainda mais profundamente, retirando seres das esquinas da depressão e desamparo de uma forma que nem mesmo um psicólogo entenderia, apenas compreenderia o processo quase como um milagre.

Novamente, os números e planos cabem a quem trama o futuro deste universo ousado e ainda tão novo e bem vindo. A BCX é uma realidade e nega-se a sucumbir as dificuldades que parecem plantadas quando se fala em “evento geek em Blumenau”. Ela existe, consolidada e parte da nossa história recente num espaço nobre e digno, abrindo um mercado e conquistando um público que move divisas e fronteiras atrás deste mundo maravilhoso e todo seu.

Carlos Alberto (Cazobé), o atual dublador de Homer Simpson (Lucas Prudencio)
A turma do K-Pop (Lucas Prudencio)
(Giovanni Custodio da Silva)
(Lucas Prudencio)

Outra frase de meu xará completa essa sensação de acolhimento e identificação: “eu quero que meu filho tenha este universo perto dele”. Não apenas o pai coruja que sabe, quantos outros que pensaram o mesmo depois descobrirem, talvez sem entender, que mundo “estranho” era aquele cheio de “bonecos”, “bichinhos” e “coisas mágicas” que fazem a cabeça dos jovens, alguns deles até de vida encaminhada mas que não mataram o nerd que há neles.

No ultimo ato, a reunião de todos que fizeram o sonho nascer. Fotos, palavras, lágrimas caindo feito garoa acolhedora, de nós e de quem batia palmas à nós como um “muito obrigado”, um abraço depois da canseira e do nervosismo. A verdade é que a BCX tem a ver muito mais com a fantasia e o universo de toda essa gente, e o significado emocional de tudo isso é imensurável, não há números e gráficos, croquis e projetos que comportem a experiência, o toque e a exaltação, o encontro e o deslumbramento, o poder de uma magia, de um golpe, de uma viagem fantástica.

Num dos derradeiros momentos da noite, o olhar profundo de Nane Pereira me segurando pelo rosto talvez traduzisse tudo aquilo em volta em poucas palavras e expressões: fora o orgulho de mãe pelo bom papel no palco, mas o reflexo de que aquilo tudo chegou, está aqui, ficou e, outra vez, está escrevendo sua página na história desta tão provinciana Blumenau, que é Brasil, é pop, é geek, é otaku, é cosplayer, é k-pop, é gamer, é tão jovem quanto se parece.

Aos que escrevem a história (esq-dir): André Santos e Ana Cristina, os idealizadores (Giovanni Custodio da Silva)
(Giovanni Custodio da Silva)
O carinho mais profundo: Nane Pereira e este escriba (Fabi Brandes / Oktoberblog)

E no fim de noite, como um traço daquele desejo de voltar, procuro o botão de rebobinar junto de tantos outros que querem voltar a todas as emoções. Mas a história é assim: você a constrói e ela fica guardada, dando espaço para uma nova página daquele elemento da história ser escrito. As linhas nascem para deixar o registro à memória da cidade e provar: somos mais que chope e Oktoberfest, somos um universo.

Portuga, nós vamos escrever a história nessa cidade“… Sim, André! Sim, Ana! Vocês escreveram!

Vocês, nós e todos eles escreveram

E escrevem….

Vida longa a BCX! Blumenau é (irreversivelmente) pop!

(Fabi Brandes / Oktoberblog)

1 comentário em “BCX 2024: Blumenau é (definitivamente) pop!”

  1. Que maravilhoso cara.
    Fabuloso no palco junto ai Galvan.
    Belo trabalho.
    E sim , meus irmãos escreveram sim no livro da história de Blumenau um pequeno trecho, pequeno mas lindo, memorável, com muito suar e lágrimas, que só quem acompanha dos bastidores sabe.
    Meus irmãos deram um show.
    Parabéns pela matéria André!

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