“Portuga, nós vamos escrever a história nessa cidade!”
Domingo, 18h. Depois de quase uma semana de boa ansiedade era chegada a hora de mostrar o que sabia fazer. Nervoso, ansioso, curioso por tudo, aguardava a voz eletricamente alegre de Eva Pepper me chamar ao palco. Estava sob o olhar da Su Junkes, doce e cálido, repetindo que ia ser “lindo”, que eu “ia dar aula”, que “já tinha dado certo”.
Subi, fiz-me de perdido para entrar na graça e alegria do momento e me encontrei com Eva para a passagem de bastão. Montada na elegância e no brilho, ela acolhera-me diante da plateia ávida pela atração que viria. Eva desce o palco, tudo comigo, era a hora de escrever a história daquele dia.
Apenas daquele dia? Receio que não. A minha cabeça flutuava em mil pensamentos, entre a condução do trabalho e o significado de tudo aquilo. No olhar de cada um na plateia abaixo, o brilho indefectível de fã, admirador, orgulhoso adepto daquele mundo pop cujo a qual fora um dia. Tão grande brilho, podiam apagar as luzes do palco que eles garantiriam a iluminação daquele ponto em particular.

E enquanto o animado dublador fazia subir a adrenalina daquele instante, pensava cá comigo em mil perguntas…
Quantos poderes mágicos são precisos para sair do sonho e viver o real como se fosse ele o sonho dentro de páginas de mangá?
Quantas fases de um RPG é preciso atravessar para peitar a persistente e tacanha incredulidade de que somos Pop muito além do fritz e da frida?
Quantos passos dentro de uma precisão asiática são necessários para colocar as roupas descoladas e as nuances melódicas coreanas ao lado do tradicional “deutche musik”?
Quanto mais é preciso para respirar fundo na entrada do Setor 1 da Vila Germânica das Oktobers da vida e bradar que “escreveu-se a história!”?
Este “escrever a história” é tão extensivo quanto o termo que o comporta. Transcende a ideia, encontra lugar no material de cada canto deste miniuniverso e vai morar em cada um que pisou por dois dias naquilo que era um mero rascunho de papel, um croqui de espaços e um roteiro de palco. A fantasia, que é parte do universo de games, animes e filmes, e que move tantos a vivê-la como se fossem parte dela, sobretudo numa reunião como esta.

Ao meu lado, Claudio Galvan. Um cidadão carioca de alegria incontida. Nascido na Tijuca, exercia a canção como quatro de seus conterrâneos na cidade maravilhosa (Tim Maia, Erasmo Carlos, Lamartine Babo e Tom Jobim). Mas além da arte que lhe pulsava, entre canções e atos teatrais, a voz de um pato legendário e de tantos outros ícones de parte deste mundo pop.
Galvan, um dublador, cujo anonimato sentenciado do início de carreira transformou-se na gratidão e deslumbre de tantos fãs e admiradores ao assisti-lo ávido por ouvir dele as vozes que os moviam. Já tinha sido assim naquele fim de semana, quando conseguimos colocar no mesmo lugar o ouriço mais veloz do mundo, a avó mais louca por abacates que conhecemos e o mais ilustre dos cidadãos de Springfield no mesmo lugar: a “reles cidade de interior” que muitos ouviam dizer.
Começamos a conversa, extensão dos risos e trocas que tivemos momentos antes do grande ato. E não escapava de mim pensar: em 2023, descia a grande reta de Interlagos a 180 por hora enquanto tentava conter o misto de emoção e uma certa frustração pessoal por não estar, de fato, escrevendo a história com estes “atrevidos petulantes” que resolveram transformar a casa de Heinz Geyer num cenário típico das lutas de Goku ou das esquinas do Counter-Strike.
Longe, mas perto: nas mal traçadas linhas do ano anterior exultava o sucesso e a prova maior de que este feudo germânico é Brasil, é Pop como qualquer outra esquina do mundo. E convidava ao desafio os conservadores de pensamento que condenaram ou trataram diminutamente ou com desdém algo nesta proporção.
Sim, estava escrita a história, e ela continuaria a ser escrita por mais um capítulo. E quem, de fato, a escrevia?

Não eram apenas eu ou este time que comprou a briga contra o velho paradigma do “ser alemão para ser história”. Ali embaixo, naquela plateia, tinha um sem-número de corações jovens e velhos que tiravam um tempo da vida para serem seus personagens, viverem seus universos. Os traços do anime, a realidade de games e livros fantásticos, a puerilidade saudável da animação e dos filmes, era a casa deles, a minha casa.
A Blumenau Comics Experience, a BCX para este e tantos íntimos, transcendeu o significado de ser apenas “história de Blumenau”. Para um pesquisador como eu destes tantos elementos que fizeram e fazem a capital da cerveja ser o que é, a concentração do mundo geek vivida nos últimos dias 27 e 28 de julho ultrapassa compêndios e números: tem a ver com sonhos, com portas abertas e lágrimas alegres de ver, tocar e ouvir o que é de seu mundo particular, sem dedos apontados ou olhares estranhos.
Era como você se desligar do provincianismo comum de qualquer uma ação lá fora e se colocar em outro lugar. Quem lá esteve, procurava tudo isso. É bem mais do que produtos e concursos, mas a identificação de um estilo, de uma atitude que também está caminhando nas esquinas do Vale e, depois de tantas tentativas infrutíferas do passado, encontrava seu espaço para ser e crescer. Tudo isso sem roupas de fritz/frida dentro da Vila Germânica de mil Oktobers passadas.



Eventos como este, você pode pensar, se resumem na frieza de números e projetos, na organização e no corre dos registros. Mas ele vão bem além, e aqui falo de amor, ternura, deslumbramento, identificação e gratidão. Quem estava lã, cosplayer, gamer, leitor dos quadrinhos ou nerd convicto, queria sentir o calor de estar em volta de tantos iguais. E não só eles, mas os curiosos, com um certo tom saudoso nas lembranças, revisitando a juventude e estes deslumbres fantasiosos tão reais.
Real? O que troca a emoção de você, em boas vezes, ter a vida transformada por algo que, para muitos incautos, é “bobiça”? A frieza de alguns talvez nunca entenderá o que é ter uma pessoa tão longe de você movendo sua imaginação e risos ou, ainda mais profundamente, retirando seres das esquinas da depressão e desamparo de uma forma que nem mesmo um psicólogo entenderia, apenas compreenderia o processo quase como um milagre.
Novamente, os números e planos cabem a quem trama o futuro deste universo ousado e ainda tão novo e bem vindo. A BCX é uma realidade e nega-se a sucumbir as dificuldades que parecem plantadas quando se fala em “evento geek em Blumenau”. Ela existe, consolidada e parte da nossa história recente num espaço nobre e digno, abrindo um mercado e conquistando um público que move divisas e fronteiras atrás deste mundo maravilhoso e todo seu.




Outra frase de meu xará completa essa sensação de acolhimento e identificação: “eu quero que meu filho tenha este universo perto dele”. Não apenas o pai coruja que sabe, quantos outros que pensaram o mesmo depois descobrirem, talvez sem entender, que mundo “estranho” era aquele cheio de “bonecos”, “bichinhos” e “coisas mágicas” que fazem a cabeça dos jovens, alguns deles até de vida encaminhada mas que não mataram o nerd que há neles.
No ultimo ato, a reunião de todos que fizeram o sonho nascer. Fotos, palavras, lágrimas caindo feito garoa acolhedora, de nós e de quem batia palmas à nós como um “muito obrigado”, um abraço depois da canseira e do nervosismo. A verdade é que a BCX tem a ver muito mais com a fantasia e o universo de toda essa gente, e o significado emocional de tudo isso é imensurável, não há números e gráficos, croquis e projetos que comportem a experiência, o toque e a exaltação, o encontro e o deslumbramento, o poder de uma magia, de um golpe, de uma viagem fantástica.
Num dos derradeiros momentos da noite, o olhar profundo de Nane Pereira me segurando pelo rosto talvez traduzisse tudo aquilo em volta em poucas palavras e expressões: fora o orgulho de mãe pelo bom papel no palco, mas o reflexo de que aquilo tudo chegou, está aqui, ficou e, outra vez, está escrevendo sua página na história desta tão provinciana Blumenau, que é Brasil, é pop, é geek, é otaku, é cosplayer, é k-pop, é gamer, é tão jovem quanto se parece.



E no fim de noite, como um traço daquele desejo de voltar, procuro o botão de rebobinar junto de tantos outros que querem voltar a todas as emoções. Mas a história é assim: você a constrói e ela fica guardada, dando espaço para uma nova página daquele elemento da história ser escrito. As linhas nascem para deixar o registro à memória da cidade e provar: somos mais que chope e Oktoberfest, somos um universo.
“Portuga, nós vamos escrever a história nessa cidade“… Sim, André! Sim, Ana! Vocês escreveram!
Vocês, nós e todos eles escreveram
E escrevem….
Vida longa a BCX! Blumenau é (irreversivelmente) pop!

Que maravilhoso cara.
Fabuloso no palco junto ai Galvan.
Belo trabalho.
E sim , meus irmãos escreveram sim no livro da história de Blumenau um pequeno trecho, pequeno mas lindo, memorável, com muito suar e lágrimas, que só quem acompanha dos bastidores sabe.
Meus irmãos deram um show.
Parabéns pela matéria André!