Sobre Eloísa e mudanças

Sob a grama levemente umedecida da chuva da noite passada, sentem-se passos leves como se aproveitassem brisas novas do dia seguinte.

Ela anda devagar. Talvez por hora não acredite onde está, como chegou ali. Por momento, lembra da oração de um sábio chinês que a dizia, em versículo, que grandes caminhos começam sempre com o primeiro passo.

O vento sopra, levando velhas folhas amareladas a lhe tocar sutilmente a perna com algumas marcas, mas tão fortes estas como um dia foram.

Há um deslumbre no ar, um sorriso que esteve escondido há tempos e que rasga a sutil camada de timidez com o planeta girando em volta. Abre os braços, fecha os olhos feito bolas de porcelana e gira suave acariciada e abraçada pela brisa: você chegou.

Nos cantos da vida, abrigado pelo toldo de um velho rancho e de ferramentas empoeiradas que simbolizam tempos passados, me ouso eu toma-la de reflexão para dizer como os seres, estagnados em nossa volta, podem ser borboletas por um dia.

Embasbacado, realmente encantado com a dama que vejo e cujos passos meio que sabia que traçava, ouso soltar uma frase que abre toda essa nossa viagem: “Eloísa… como você mudou!”

Como é lindo, amigo e amiga! Você nunca percebeu a beleza de se sentir diferente? De, finalmente, desatar amarras apertadas e outrora impossíveis de serem rompidas para ser quem você é e mandando ao léu os achismos e ponderações negativas de outros?

Como nos anulamos no desejo de querer, verdadeiramente, mudar e caminhar rumo a algo verdadeiramente grande. Sempre colocamos uma barreira, um “depois”, um “amanhã” para olhar e cuidar do que mais nos é caro: nós mesmos.

As vezes, parecemos estar como no lamaçal que enfrentamos, eu e ela, para chegar até aqui. Comparar passagens de vida à lama talvez não seja a melhor forma, mas o que nos faria ficar literalmente atolados na mesmisse de processos e pensamentos?

Já olhou em volta para ver o que te prende de voar? E as vezes é o mais improvável, aquilo que tu normatizas, corriqueiro, cotidiano. Há uma janela fechada em você que não se abre por sua iniciativa, mas não por dificuldade, mas por um querer errático, acomodado.

Eu lembro de Eloísa nos meus ainda distantes tempos de Pérola. Aquela moça tão doce e sábia, tão amorosa, direta e cheia de energia. A mim? Um moleque de 27 para 28 anos ainda preso a pragmatismos e manias que não me cabiam mais… e demorei a mudar, a perceber o redor e seu eu mesmo, de fato.

Elo me dizia de algumas coisas, tanto dela quanto a mim. E eu, distante de tudo, sabendo dos sonhos que ela tinha, imaginava que o passo de vida dela era maior e mais sólido que o meu: profissão, amor, família, canto, ventania que lhe soprava bondosamente.

E eu? Preso a amores infrutíferos e a uma realidade aventureira que, apesar das felizes e gostosas lembranças de hoje, não eram meu paradeiro completo. Era uma fuga de um mundo hostil, mas que chamava quem o queria desafiar a ser livre e autodeterminado diante dele.

Demorei, ainda aprendo e choro quando possível, mas o mesmo André daqueles caminhos perolados ficou em algum canto, numa caixa, apenas para rever imagens e tirar lições. A vida pediu que eu andasse, e com a mão de uma sábia no caminho, andei.

E no passo evolutivo, esse querer puro de um ser inconformado com a realidade que tem, teimei em cruzar meu caminho com o de Eloisa outra vez. A doce e bondosa Elô da Pérola, uma joia riocedrense, cujo coração me acolhera como um amigo doido, teimoso e sábio (quem sabe?), mas que também estava em sua revolução pessoal.

Nas parcas palavras que me dizia, enquanto caminhávamos e sentíamos dores, contava do amor que esvaziava-se em nome de um novo ser. Aquelas madeixas levemente ruivas, uma marca de sua energia tão forte, tomavam uma brisa totalmente nova, desimpedida, alegre, leve, mesmo com tanto cansaço nas costas já tão marcadas.

Elô, uma borboleta que caminha, que saia do casulo com a leveza das grandes mulheres e revelava sua face mais bela, avisando sem mover os lábios que era só um momento, e muito mais viria.

E eu? Olho para ela em sua introspecção na beira de um lago coberto de folhas enquanto penso comigo como eu também cheguei longe sem querer parar: um amor ficou pelo caminho, curei e rompi amarras e estigmas, bloqueei processos repetitivos, reflexos, sigo saindo do casulo velho, cada vez mais fora dele.

Você percebeu? Ir além do olhar convencional imposto para sua vida é libertador, é excitante e te coloca de frente com medos, injustiças, com sonhos distantes que se tornam palpáveis. A leveza quase nos faz voar, mas tudo a custa de dias de reflexão, ajustes, batalhas e vitórias, muitas delas.

O sol, calidamente, se põe e muda os tons da pele de Elô. Ela não se importa, é só mais um momento, especial momento.

Como poeta, concordo. Se puder usar minhas linhas para dizer a você, que nos observa evoluir e viver o novo que é possível, tenho certeza que não soprei contra a brisa a toa.

O rancho em que estou? Símbolo do passado, o que não volta mais, mas que nos permite recordar o bom, aprender com o ruim, deixar guardado, continuar, vagar como se sem rumo estivesse.

E Elô? Se não fosse ela, novamente no meu caminho, estas linhas jamais sairiam como saíram. Ela vaga por ai, vez em quando, e quando me encontra, abre um sorriso sem tamanho, mas tão diferente das últimas vezes.

É porque ela mudou, tanto, para o bem, para a coisa boa, para o mundo, para ela mesma, para voar…

E a brisa te convida a mudar! Sai desse estagnado, vem com a gente por ai!

A Elô já se foi novamente, dentro neste mato desconhecido, que não mete medo, quase um amigo.

Eu vou indo atrás. Borboletas voam para lá, com ela, com quem quer seguir.

Para mudar, só começar.

E Elô, como você mudou!

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