Me permitam colocar um pouco da minha memória musical de garoto inocente neste espaço, até porque o desenvolvimento de cada um dentro do universo das melodias passa também pelo que ouve desde criança e, ou amadurece ou segue a mesma constante daqueles tempos antigos. No meu caso, a segunda alternativa, e não a toa sempre me achei um rapaz “clássico”, sobretudo do ponto de vista musical.
Curiosamente, esta memória não vem das noites em que eu e minha mãe passávamos ouvindo LPs no velho Philips AF557, mas principalmente daquelas canções que a professora do primário nos fazia ensaiar para as homenagens cívicas de cada mês que a escola fazia naqueles tempos. Era um parto, vamos ser sinceros: ensaia, leva bronca, canta de novo, alguém não canta, leva bronca de novo, ensaia, canta outra vez e, depois de tanta teima, ela saia perfeita no dia do evento.
Numa dessas cirandas escolares, fui apresentado a uma das letras mais doces e idílicas da musica brasileira que já ouvi. Talvez soe piegas, careta demais, fantasiosa demais, mas me permito mergulhar na fantasia e na poesia, sendo poeta que sou e entendendo que a música também é um exercício de fantasiar, imaginar como seria o mundo se fosse dentro daquilo que tanto se prega e pouco se faz: pacífico, sem brigas, leve e descontraído.
Mergulhar em “Terra dos Meus Sonhos” é um exercício, justamente, para estes corações pesados de nossos dias que sonham com dias mais suaves e pacíficos e que, por sonhar assim, sejam repreendidos pela hipotética falta de dureza e futilidade nas ações. A escrita é única e exclusiva, nos transporta á um canto interiorano onde a lei é o que brota das boas ações e os dias fluem na velocidade do nascer e pôr do sol.
E o criador, felizmente, tem a mesma leveza de reflexão, entre a loucura e a calidez, que uma canção como esta exige. Mineiro de Três Pontas, o lado mais brando da loucura de Raul Seixas, mas sem perder a sagacidade e a visceralidade de suas criações. Silvio Brito é um persona cult de tempos musicais onde refletir era necessário, mesmo que as vezes parecesse que a tenebrosa arma da “democratura” (como dizia Vicente Leporace) estivesse apontada para o compositor o tempo todo.
Curto muito o estilo do vendedor de grilos, mesmo que o tempo tenha feito as letras e composições ganharem um pouco mais de suavidade e um tempero cristão. Mas Silvio Brito ainda mantem-se como um louco de espírito sadio, capaz de colocar a gente em um lugar de alegria pura e extravasada, onde é possível sorrir, amar, ser feliz e endoidecer com uma dose de racionalidade. Tudo isso abaixo do velho óculos redondo e de uma roda de amigos.
É justo dar o crédito: a versão que ouvi pela vez primeira era cantada pelo amigo de longo tempo do mineiro, o “especialista em casamentos” Fábio Jr., que também permitia-se sair do seu escopo romântico para cair nas reflexões, como esta escrita por Brito e que pede uma licença para abrir o coração, deixar-se levar pela suave melodia de um sonho que soa impossível, mas que tranquiliza: ainda se pode sonhar em uma canção, sobretudo se for nesta dita “Terra dos Meus Sonhos”.
Gratidão por tanto, Silvio Brito! Plantemos a semente, não só na terra, mas no coração da gente!