Som n’A BOINA #02: Badfinger, sua música, poesia e tragédia

(André Bonomini)

Então, amigos! Depois de uma grande estreia com o igualmente grande Douglas Sardo, chega minha vez de dar continuidade aos trabalhos no SnaB. Tivemos por aqui a passagem indelével do charmeleon David Bowie, numa fantástica revisão do espetacular Low, e assim será a cada sexta-feira em A BOINA: Muito som, história, melodia e dicas vindas do mundo maravilhoso da música. Quem gosta de som de qualidade não pode deixar de começar o fim de semana com um embalo novo ou conhecido, e aqui estamos.

Pois bem, num epilogo curto como este passo para o assunto desta simpática sexta-feira. Não querendo entregar idades, mas este ano chego aos perigosos 27 anos. Ora e por que seriam tão amedrontadores? Apesar de ser meu número preferido, simbolo da coragem e da ousadia na F1 e tantas coisas mais, para a música o 27 é o que é o 13 para os supersticiosos: Um número aziago. Cita-lo é quase como recordar de nomes da música mundial que nos deixaram ao, justa e coincidentemente, chegar a esta idade assombrada.

Ora, então se estou falando de músicos que morreram aos 27 anos vamos poder falar de Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrisson (Doors), Brian Jones (Rolling Stones), Kurt Cobain (Nirvana) ou até Amy Winehouse. Ilustres da música internacional que se apagaram na 27ª primavera. No entanto, a história que recordo tem ainda mais tragédia envolvida. Talvez um dos maiores crimes da música mundial, um fato que mistura sucesso, expectativas, poesia, drama e suicídio. Como se isso não fizesse parte do mundo do bom e velho Rock ‘n Roll.

Quem nunca ouviu falar, vai ouvir, e quem já ouviu falar, vai ouvir com olhos de espanto a música forte e embalante do Badfinger. E quem tem emoções fortes que pegue os lenços, o relato é tão forte quanto as melodias por eles criados.

Peter William Ham. Galês, músico e um poeta das melodias. Talvez a maior vítima de um jogo sórdido que colocou a banda onde tocava e vivia a vida num turbilhão de desespero, brigas e ostracismo fatal (Reprodução)

Mas então você pergunta quem, de fato, tem ligação com o famigerado Clube 27 nesta banda? Exatamente falando, o sujeito atende pelo nome de Peter Ham. Inglês de Swansea, cidade do País de Gales, e que junto do amigo Tom Evans, de Mike Gibbins e Joey Molland estavam para conquistar o mundo com o Badfinger. A banda se formou ainda nos anos 60 e com outro nome – The Iveys – que num lance de busca de novos caminhos mandou algumas fitas para um endereço bem distinto da Abbey Road, em Londres: A já famosa gravadora Apple, de propriedade dos Beatles.

De Iveys a Badfinger – Os apadrinhados do Fab Four

George Harrison e Peter Ham numa sessão de gravações nos estúdios de Abby Road em 1971. O apadrinhamento dos Beatles e a presença na Apple garantiram a base para a consolidação da personalidade e de sucessos arrebatadores (Reprodução)

Era 1968 quando isto aconteceu, os Beatles ainda colhiam os frutos da mudança de estilo dentro do Rock e, especialmente se preparando para o lançamento do que viria ser o Album Branco (White Album). As fitas demo dos garotos do Iveys chegaram aos ouvidos do caçula de Liverpool, George Harrisson, que não escondeu o espanto com a sonoridade dos rapazes. Batata! A banda ganhou um contrato e até um padrinho, Paul McCartney, que contribuiria e muito no caminho da banda mesmo que de uma forma tão simples.

Cá para nós, ter como padrinhos ninguém menos que os Beatles, que apesar dos primeiros desgastes e sinais de final eram uma grife de luxo na musica nos anos 60, era a certeza de solidez para a firmação de uma carreira de sucesso. Sob a chancela do Fab Four, o Iveys gravou Maybe Tomorrow em 1969, sendo sucesso em vários países da Europa menos, incrivelmente, no Reino Unido. Apesar disto, havia quem, na imprensa especializada, os apontasse como os sucessores dos Beatles, e qualidade para isso não faltava.

Um ano depois, participaram na trilha sonora do filme The Magic Christian (Um Beatle no Paraíso), estrelado com Peter Sellers e Ringo Starr, cantando Come and Get it de autoria de Paul McCartney e foi um dentre tantos hits que a banda emplacava naquele ano de 1970 tão fantástico. A crítica se rendia a capacidade dos apadrinhados dos Beatles, que no mesmo ano tomava caminhos separados e terminava para o choque de um mundo inteiro. Também o Iveys ficava no passado, os quatro trocavam o nome da banda para Badfinger e a confirmação do sucesso seguiu adiante.

A mais romântica das melodias e o estrelato

Ainda em 1970, Peter Ham e Tom Evans seriam responsáveis por uma das canções pop mais marcantes de todos os tempos. A apoteótica Without You nascia da junção dos momentos amorosos de cada um dos dois, com versos escrevinhados sobre cada momento mesclado numa letra que mistura uma poesia doce a um grito forte e declarado de amor. Ham recuou a sair com a namorada por conta de uma ideia repentina de musica, Evans não digeria viver longe da moça que amava e que, por força de uma briga, havia o deixado e se mudado para Londres. Pronto, destas duas inspirações nascia uma melodia apoteótica.

A canção, no entanto, não era vista com tanto potencial pela dupla e ela foi colocada como a última do lado A do álbum No Dice daquele ano. Mas numa bela noite de 1970 (que ano esse para eles!), um certo Harry Nilsson, estrela em ascensão na música americana, ouviu a canção numa festa, chegando a achar que eram os próprios Beatles a cantando. Ficou fascinado com a letra e melodia e não pensou duas vezes: Pediu permissão ao Badfinger para regrava-la e assim o fez em 1972. Without You virou sucesso magnânimo nas paradas americanas e um hino sem igual aos apaixonados.

E a vida seguia para os quatro rapazes. Os três primeiros anos da década de 70 eram de sonho para o Badfinger. Hits atrás de hits, como No Matter What, Dear Angie, Baby Blue e Day After Day, participação em trabalhos de ex-Beatles, como o épico Imagine (1971) de John LennonConcerto Para Bangladesh e All Things Must Pass, ambos de George Harrisson, além de discos como Straight Up (1971), muito trabalho, reconhecimento e aquela fama de promissores se transformando em certeza. Tudo isso ao mesmo tempo… Até chegar 1972…

A ruina e a morte – Polley, escrúpulos e suicídios

Eis Stan Polley. O criminoso que matou o Badfinger. E da forma mais dolorida: Aos poucos, sumindo com o dinheiro da banda (Reprodução)
Eis Stan Polley. O criminoso que matou o Badfinger. E da forma mais dolorida: Aos poucos, sumindo com o dinheiro da banda (Reprodução)

No mesmo ano que Harry Nilsson regravava a apoteótica criação de Ham e Evans a banda da dupla de compositores iniciava uma descendente fatal. A Apple passava por dificuldades financeiras. Com atraso, foi lançado um último LP (Ass, em 1973), e mesmo sem contrato com a gravadora da maçã os rapazes não estavam amedrontados. Tinham uma reputação consolidada e convites para outras gravadoras não faltaram. No entanto, nos bastidores da banda, um roubo atrás do outro acontecia, pelas mãos do inescrupuloso empresário artístico Stan Polley.

Outros artistas, como o cantor Lou Christie, já haviam alertado das fraudes e atitudes suspeitas do empresário, mas nada disso impediu que a banda caísse na lábia fácil de Polley, que conseguiu um contrato milionário junto a Warner Bros. Records. Seriam dois álbuns por ano num vínculo de US$ 3 mi, cerca de R$ 7 mi em valores grosseiramente comparados a hoje. Mas Polley colocava suas mangas de fora e desviava o dinheiro da banda, que ficou sem um níquel furado para pagar custas legais junto a Warner.

O ótimo Wish You Were Here, segundo album do Badfinger na Warner. Problemas contratuais e financeiros fizeram a gravadora o recolher das lojas, torando-o uma obra esquecida (Reprodução)

Mesmo com o lançamento de um álbum (Stay, em 1974) e a produção de outro (Wish You Were Here) a situação estava ficando preocupante. Polley empurrava a banda para turnês desnecessárias e sessões de gravação intermináveis e improdutivas com a desculpa que tudo aquilo faria bem a eles. Já o dinheiro sonhado com as conquistas pela Warner não entrava na conta dos garotos, mas sim do empresário, que depois de algum tempo simplesmente sumiu no vento com toda a gaita, entregando o Badfinger a uma crise financeira e interna sem precedentes.

Dívidas foram se acumulando, a Warner interrompeu a produção de Wish You Were Here por momentos, prejudicando o andamento dos trabalhos. Era considerado um bom disco (para alguns, o melhor da banda), mas os problemas entre o Badfinger e a Warner fizeram com que o LP fosse recolhido das lojas. Em tantas ações judiciais seguidas, o dinheiro de royalties e vendas parava nas mãos de advogados para safa-los. Era questão de tempo, muito pouco tempo, até a crise chegar aos rapazes.

Integrantes ameaçando sair da banda, brigas constantes e um desesperado Peter Ham, cada vez mais deprimido e desesperançoso atrás de Stan Polley e do dinheiro dos trabalhos. Um clima insustentável tomou conta dos garotos, especialmente de Ham, que sem perspectivas de melhora e intimado pela justiça americana não suportou. Aos 27 anos de idade e com uma estrada pela frente, Peter William Ham cometia suicídio enforcando-se no estúdio que tinha em casa. Era o dia 24 de abril de 1975.

Nem mesmo o fato da sua atual namorada – Anne Herriot – estar grávida de oito meses foi motivo para o músico evitar o pior, que agora era apenas memória na cabeça dos poucos e fieis fãs do Badfinger. Em sua carta de despedida, palavras doloridas e um último recadinho ao empresário criminoso:

Anne, eu te amo… Blair, eu te amo
Não foi permitido a mim amar, e confiar em todo mundo.
Assim é melhor

Pete.

Obs: Stan Polley é um bastardo sem alma. Eu o levarei comigo

Era o fim… ou quase. A banda se desfragmentou, com os músicos tomando rumos diversos. Em 1978, por conta de um contrato com a Elektra Records, Tom Evans e Joey Molland tentaram reviver o Badfinger com dois álbuns (Airwaves, de 1979 e Say No More, de 1981), mas sem sucesso. Ainda para aumentar a desgraça, Evans e Molland acabaram separados por constantes brigas pelos direitos do uso do nome da banda.

Foi uma destas brigas que colocou também um ponto final no jovem baixista e companheiro de Peter Ham: Era a madrugada de 19 de novembro de 1983 quando Tom Evans, segundo o mesmo modus operandi do amigo morto, também cometeu suicídio, enforcando-se numa árvore no quintal de casa.

Joey Molland e Tom Evans bem que tentaram, mas os dois discos pelo selo Elektra de nada adiantaram. Alguns anos e muitas brigas depois, era a vez de Evans cometer suicídio, também enforcando-se (Reprodução)

Agora sim, era o ponto final. Subestimada, esquecida e vitima dos escrúpulos que de tempos em tempos cercam a indústria fonográfica, o Badfinger virou uma nota dissonante e trágica no mundo do Rock e também do Pop. Dos integrantes originais, apenas Joey Molland ainda segue vivo, se apresentando em shows e recordando sucessos do grupo. O baterista Mike Gibbins faleceu em 2005, vitima de causas naturais.

Já Stan Polley, o homem que matou o Badfinger, ainda viveu muito tempo após suas vítimas. Foi preso em 1991 por lavagem de dinheiro e desapareceu do mapa. Faleceu em 2009 de causas desconhecidas.

O último sobrevivente: Com a morte de Mike Gibbins, coube a Joey Molland manter a memória do Badfinger viva, tocando em shows e apresentações na TV e em outros eventos, recordando o tempo de sucesso dos, à época, novos Beatles (Reprodução)

Foi-se a banda, e a legenda ficou. Apesar de esquecidos por grande parte dos entendidos de música pelo mundo, o Badfinger é capaz de fascinar qualquer um quando ouve-se qualquer uma de suas canções fantásticas. Permeadas de frases românticas, um toque forte e estridente das guitarras em solos bem editados, compondo com o baixo energético e uma bateria bem pegada são as notas da genialidade de Ham e Evans, combinada com os talentos de Gibbins e Molland, que comprovam o que a crítica daqueles tempos dizia sobre eles: Possíveis sucessores dos Beatles.

Quem nunca ouviu, sugiro dar uma ouvida no trabalho dos caras para comprovar o que muitos jovens como nós afirmavam nos anos 60 e 70: O Badfinger é sonzera! E o que é genial não morre, apenas recebe eternos aplausos.

Terminamos com minha canção favorita da banda. A intensa No Matter What, de 1971. Vale a pena. Clica, ouve e sinta o som:

Até a próxima sexta com mais Som n’A BOINA

2 comentários em “Som n’A BOINA #02: Badfinger, sua música, poesia e tragédia”

  1. Bafinger é simplesmente sensacional, incrível, inesquecível, espetacular. Sem dúvida alguma, caso a sorte lhes tivesse bafejado, seriam os sucessores incontestes dos Beatles. Ouso dizer que poderiam até mesmo superar seus padrinhos do Fab Four. A genialidade de suas canções, a pegada gostosa de se ouvir, a emoção que transmite nas músicas românticas, nas baladas, enfim, em toda sua obra é grude certo nos ouvidos e corações de quem os conheça. Sou um desses fãs ardorosos e, como todo fã, tenho todos os discos em Lps e Cds (remasterizados e originais). Ouço-os com enorme frequência….e isso, há muitos e muitos anos. Não cansei, e não cansarei de curtir o som dos caras. Me faz bem, e eu quero viver bem até minha passagem para outro plano. Meu plano atual é ser feliz, e eles me ajuda demais nisso. Badfinger forever.

  2. Os caras cantavam muito,mas a escolha de um empresário errado detonou a banda levando dois principais do grupo ao tirarem suas vidas ,muito triste. Os Beatles foi ao contrário o empresário George martns levou os garotos de liverpool ao estrelato máximo simples mente a maior banda até hoje de 1962 a 1970 e o beteflige tiveram os Beatles como padrinhos era para fazer muito mais mas a vida nos prega surpresas triste demais.. meus respeito a Beteflige com certeza uma lenda.

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