Voltamos com muito som depois de uma viagem fantástica reverenciando o imortal Chuck Berry junto de Douglas Sardo na última semana. Um homem com uma obra extensa, e parte dela, com certeza, que estava na malinha secreta que este cidadão que revisitamos hoje levava todos os dias aos estúdios da Radio Mundial, AM 860 do Rio de Janeiro, na sua revolução Pop em nossas terras.
Mas bem, pra começo de conversa, todo mundo sabe bem que a disciplina de Geografia estuda também as divisões políticas e sociais em cada país. Por ela, viajamos pelo mundo conhecendo as realidades de países ricos e pobres, bem como a cultura, o relevo e os aspectos sociais de um povo em qualquer um dos cinco continentes.
Quanto a música, a geografia não impõe limites. Ela é universal e de um lado a outro da Terra uma banda ou um cantor ou cantora é muito bem conhecido e cantarolado. Isto se o país não foi isolado do mundo, tal como era o Brasil dos anos 60, preso ainda na formalidade de locutores e nos atrasos em lançamento de novos trabalhos e sons que vinham lá de fora.
E ai que entra, outra vez, a geografia, pois, no Brasil, foi preciso que um professor de geografia quebrasse estes limites dentro da Patria Amada. Uma revolução que começava nos estúdios de uma antiga rádio religiosa, promovida por um cidadão gordinho que nem um pouco lembrava um professor de geografia com suas roupas estampadas e um jeito meio maluco de levar o som a mocidade, movido a muito Pop, Rock, Soul e R&B.
Quando o Brasil conheceu o sr. Newton Alvarenga Duarte, mal podia imaginar o que ouviria as 18h no trânsito ou nas casas, apartamentos, escritórios e comércios do Rio de Janeiro. A mistica do Big Boy, que enchia as paciências dos operadores da Radio Tamoio nos tempos de sala de aula, estava sendo revelada nos microfones da Radio Mundial, e quem não entendia acabou entendendo depois de um tempo. A musica internacional enfim fincava bandeira no país, e o jovem passou a conhecer e tornar mais íntimo aquele velho rádio que ficava esquecido na sala.
Uma discoteca monumental e um locutor muito louco, bicho!
A revolução de Big Boy começara mesmo na Radio Tamoio, subindo a cada dia as escadas da emissora, vestido em roupas estampadas e e coloridas e com uma malinha recheada de preciosidades. Eram discos importados, todos eles em 45 rpm, coisa que não se via a granel nas lojas brasileiras, tanto em matéria de velocidade de reprodução quanto em intérpretes. De tanto encher a paciência, acabou ganhando um horário na programação. Foi o suficiente.
Big Boy não era um simples cidadão chato que batia a porta da emissora, era um especialista em música que contava no apartamento em que vivia com uma senhora discoteca. Não dá para contar todos os discos, mas a constante atualização que fazia dos seus preciosos arquivos só precisou de uma rádio para fazer aquilo nem as gravadoras conseguiam: lançar novidades gringas quase que simultaneamente ao período de lançamento fora do país.
Mas não foi apenas isso. Trata-se de música jovem, de conteúdo novo e que revirava a mente enluarada da molecada que passava a ouvir atentamente aquele gordinho pentelho. E a juventude não queria ter um locutor empossado para anunciar as canções e tocar um programa que parecesse de adulto. Nada daquele padrão formal de vamos ouvir / acabamos de ouvir. Fosse assim, até o super Estevam Sangirardi, poderia fazê-lo como já fazia no conhecido Musica e Alegria Kolynos, com sua voz empossada e inglês formal.
Foi ali que o tímido gordinho e professor Newton largou a vergonha diante do microfone e incorporou a persona de Big Boy, o DJ maluco que fazia a cidade maravilhosa parar no fim de tarde e alucinar-se com o que rodava nas vitrolas da Radio Mundial. Na atração vespertina tinha de tudo: de barulho de trem, vaca mugindo, telefone tocando, o escambau!
E no comando desta bagunça lá estava Big Boy, que afinava a voz num falsete marcante e incorporava um louco, acabando com as formalidades e falando como o jovem fala. Pronto! Nesta bagunça organizada nascia uma nova linguagem para o rádio, mudou-se de vez a forma de comunicar-se no rádio para o jovem (e para qualquer um, por conseguinte) neste país.
Mas entramos nos anos 70, com a música internacional tomando conta dos ouvidos da juventude tupiniquim, e tudo isso graças a Big Boy e sua constante atualização com as tendencias internacionais no som. No Rock, abriu portas para bandas até então desconhecidas por aqui, além de demonstrar todos os sábados a tarde sua paixão incondicional pelos Beatles ao rodar os discos do fab four no Cavern Club. Programa que apresentava tanto na Mundial quanto em transmissão para a Radio Excelsior, de São Paulo.
Raros nas programações dos anos 60, as canções de John, Paul, George e Ringo batiam ponto quase que todo dia, talvez cobrando os atrasos que os discos da banda sofriam sempre naquela década para serem lançados aqui. Dizem até que ele mantinha contato com um deles por carta, mas nunca se soube qual deles. Mistério para sempre.
Ainda na linha do Pop/Rock, foi Big Boy que apresentou ao Brasil, meio que indiretamente, a linha mais sofisticada deste estilo. Foi da sua magnânima discoteca que partiu grande parte da programação experimental da Radio Eldorado, ou Eldopop, uma das pioneiras na transmissão FM no país. As músicas tocadas na emissora fascinavam uma galera cada vez mais imersa na psicodelía do som, que arrancavam os cabelos nas negativas da emissora de passar o nome da música, como já contamos aqui no SnaB no #08.
Fora tudo isso, Big Boy e a Eldopop permitiu também que as bandas nacionais de Rock, além dos cantores de Pop e Soul, tivessem também seu espaço para ganharem os ouvidos da juventude brasileira. Numa época que o regime militar instituía que 50% das músicas rodadas em rádio fosse nacional, a iniciativa de Big Boy foi um prato cheio para que ele explorasse isto entre os intérpretes nacionais, ainda contando com a proximidade deles, fazendo entrevistas reveladoras e fantásticas como esta, abaixo, com o fantástico O Terço, em 1976, pela Eldopop:
O Baile da Pesada e o auge da revolução
Mas não pense que Big Boy vivia trancafiado no estúdio rodando as pérolas da sua discoteca. Fora as viagens que ele mesmo fazia para se atualizar, o DJ gordinho resolveu chegar mais perto dos seus ouvintes e tocar o que eles ouvem numa noite inesquecível. Partindo da ideia de Ademir Lemos, o DJ Ademir do Bateau, nasceria o que hoje, talvez, conveniamos a chamar de balada. Ele tirou o acervo de Big Boy do estúdio, incluindo o próprio Big Boy, e transformou as noites no Canecão no famoso Baile da Pesada, o mais concorrido daqueles tempos na cidade.
Com um equipamento primoroso pra época, o programa agora era ao vivo, diante de uma multidão ensandecida dançando ao som da Soul Music internacional, que passou a ser conhecida e servir de inspiração para muitos cantores de soul brasileiro nestes bailes e na programação apresentada por Big Boy diariamente. Do Canecão, o baile ganhou vários cantos do Rio de Janeiro e, posteriormente, diversas cidades pelo Brasil, visto que a mensagem e os feitos de Big Boy ja chegava a todo o país através da Rede Globo, onde foi o primeiro VJ da TV brasileira.
Ao chegarmos próximos ao fim da década de 70, o Brasil já estava mais do que ligado no que o mundo vivia em matéria de música. A revolução de Big Boy acabava chegando a uma espécie de auge, consolidando tudo em que ele acreditava e construíra ao longo do tempo, atualizando o mercado nacional de música, trazendo as noites os embalos que rodava no rádio diariamente, oportunizando o Pop/Rock/Soul nacional a mostrar o que sabia e, claro, mudando para sempre a forma de se comunicar no bom e velho rádio.
Era o máximo que ele podia ter atingido, e talvez poderia e iria mais longe na revolução que fizera e viveu. No entanto, um infarto provocado por um ataque de asma calou para sempre sua voz, em 1977. No mesmo ano que o revolucionário Elvis Presley deixava o plano terreno, também partia Big Boy dos ouvidos brasileiros, com uma obra que uma mudança completa na comunicação que até hoje influencia e jamais será esquecida.
Se a música internacional dentro do Brasil chegou onde chegou, se o rádio brasileiro é o que é hoje e se tantas coisas em nosso cancioneiro são o que são atualmente, esta metamorfose teve mesmo um iniciador, que tirou o ouvido do jovem tupiniquim do imobilismo e apresentou um mundo novo, antes tão pouco acessível. E, mais do que isto, apresentou este mundo novo de um jeito como o jovem queria ser identificado. Não como mais um ouvinte, mas como um cidadão que tinha, do outro lado do microfone e das ondas, uma espécie de amigo e maluco como ele.
Quem deseja conhecer mais a fundo esta história, recomenda-se sem pudor assistir esta pérola: O documentário The Big Boy Show, produzido por Claudio Dager e Leandro Petersen como um trabalho de conclusão de curso de Jornalismo para a UFRJ e que é, simplesmente, o melhor documento sobre Big Boy disponível na internet:
À Big Boy, o eterno agradecimento. Ele, o verdadeiro papa do Pop que ousou reescrever a história, abrir portas, mudar conceitos e… endoidar um pouco com música e irreverencia este lugar chamado Brasil.
Até o próximo SnaB! Com muito som, claro!