Tantas datas que cada uma (ou o conjunto delas) dava uma crônica. No entanto, nem tudo que os irmãos Barry, Robin e Maurice tocavam virou ouro durante os anos 70, quando o trio estava no auge, gozando especialmente o sucesso de discos como Children of the World (1976) e, mais tarde, de Spirits Havin Flown (1979). O poder de Midas da banda teve seus momentos de escorregada, naturalmente, e um deles está completando 40 anos de… desgraça!
Sim, isto mesmo que você ouviu: desgraça, e uma desgraça que poderia te-los afundado se não fosse o faro apurado que, durante o trabalho, percebeu que nem todo o filme musical era um tiro certo. O trio, juntamente com a presença do cabeludo Peter Frampton, caíram numa barca furada que ficou registrada na infâmia do cinema como uma das piores de todos os tempos. Esta é a história do inacreditável (de tão ruim) Sgt Pepper Lonely Hearts Club Band, filme de 1978 que arrancou o fabuloso disco dos Beatles do vinil para as telonas, mas que caiu numa espiral de fracasso sem volta.
O faro de Stingwood
Pois então, voltamos à 1978, quando os Bee Gees sorriam a toa, davam as cartas e jogavam de mão na música internacional. Os recentes sucessos dos álbuns citados acima, bem como a trilha sonora para Os Embalos de Sábado a Noite e o tema de Grease – Nos Tempos da Brilhantina trouxeram de vez a glória e a perfeição musical que parecia ter-se perdido no início da década, quando Robert Stingwood, seu produtor musical naqueles tempos, parecia leva-los ao caminho errado, das baladinhas anos 60 que deram sucesso mas não serviam para além de acumular poeira nas estantes. E o curioso: quem os convidou para fazer a trilha do filme de John Travolta era o mesmo Singwood.
Alias, falando em Stingwood, o produtor musical que agora se aventuravam no cinema teve uma certa ligação com o quarteto de Liverpool num passado distante. No auge dos Beatles, foi assistente de Brian Epstein e viveu muito bem esta vibe trazida pelo fab four, especialmente com o Sgt. Peppers, lançado em 1967. Nos anos 1970, Robert foi ainda mais longe e se consolidou como um dos grandes nomes em matéria produção musical. Começou com o marcante musical Jesus Christ Superstar, arrebatando corações na Broadway e nos cinemas, além de ter criado também a própria gravadora: a RSO Records, onde os Bee Gees gravavam seus discos.
Mas seria no fim da década que emplacaria seus dois grandes sucessos das telonas: Primeiro, a transformação de uma história social no thriller discotheque graças a trilha sonora dos Bee Gees: Os Embalos de Sábado a Noite, que ajudou a definir o que eram aqueles anos no mundo pop. Não satisfeito, foi além e transformou um musical que retratava os anos 50 em outro sucesso arrebatador de bilheterias: Grease – Nos Tempos da Brilhantina, tendo outra vez Travolta como protagonista, agora dividindo os holofotes com a bela Olivia Newton-John. E a trilha inicial de Grease, de quem é? Naturalmente, dos Bee Gees, ou melhor, apenas de Barry Gibb, sendo executada brilhantemente por Frankie Valli.
Stingwood estava com a corda toda. Um sucesso atrás do outro. Parecia que a cada ideia que tinha era um engordo na conta bancária e outra febre surgindo na cultura popular vigente. Então, eis que o então produtor dono dos últimos êxitos do cinema tem uma ideia genial: ainda antes de terminar as produções de Grease, ele começa a concentrar esforços para o que seria sua grande obra da vida: dar vida na tela a banda do Sargento Pimenta e suas aventuras, em mais um musical cinematográfico, com um possível novo estouro de bilheterias graças a uma releitura moderna das canções do disco.
E lá se vão os Bee Gees outra vez, mas nesta agora eles que serão os protagonistas da película, formando junto com Peter Frampton a famigerada banda dos uniformes coloridos. E o cast musical do filme não para por ai: só no time musical o filme reunia os superockers Alice Cooper e Aerosmith, os expoentes do soul do Earth Wind & Fire e Billy Preston, além de pontinhas de Johnny Rivers, Wilson Pickett, e as desconhecidas Minnie Riperton e Sandy Farina, entre outros. E como cereja do bolo, ainda teríamos as músicas do Abbey Road mescladas, para aumentar o excelente selecionado musical do filme.
Entre os atores e figurantes, não menos importante citar que era um dos primeiros filmes do ainda jovem ator e humorista Steve Martin, e ainda com aparições relâmpago, quase imperceptíveis de George Harrison, Paul e Linda McCartney e Tina Turner. Quanta gente boa num lugar só, não? Você pensa nossa! Stingwood conseguiu de novo!. Mas não, nem um pouco, e tudo começaria a ficar visível pouco tempo depois do começo das produções.
Que bela canoa furada!
No mesmo tempo que as produções e gravações rolavam, Os Embalos de Sábado a Noite estouravam nas bilheterias, indo junto na lambada a trilha dos Bee Gees. E não só eles gozavam desta explosão nas paradas. Ao mesmo tempo, Peter Frampton celebrava o lançamento e sucesso de Frampton Comes Alive!, que, segundo as estatísticas, é o álbum ao vivo mais vendido na história da música. Até mesmo o jovem Steve Martin celebrava sucesso no mundo do disco com seu álbum de comédia, chegando a roubar o segundo lugar na parada da Billboard daquele período de 1978.
No entanto, nesta roda de administração de uma carreira que dá certo, os clientes dos empresários mais ou menos sabem o que se passam nos bastidores dos trabalhos que fazem, se eles são promissores ou não. E quando se vem de um sucesso estrondoso para um projeto incerto, esse sexto sentido aguçado costuma funcionar, especialmente se algo vai errado. E nas primeiras andanças do Sgt. Peppers, foi este sexto sentido dos irmãos Gibb que captou no ato: Sgt. Peppers estava virando uma verdadeira canoa furada.
A produção estava mostrando todas as falhas possíveis de enredo, roteiro e posição dos personagens na história. Com a ascenção dos Bee Gees na música, a direção do filme quis tirar o foco de quem era, de fato, o principal na banda do Sargento Pimenta: Billy Shears, interpretado por Peter Frampton, focando na atuação dos irmãos Henderson, na pele dos Bee Gees. Isto fora a construção capenga, os efeitos bizarros e a infantilidade do tema, rebaixando a mensagem do álbum original.
É claro que Barry, Robin e Maurice berraram. Não concordaram com a mudança, com a forma de toque do projeto, com tudo e mais um pouco. Estavam dispostos a deixar o filme, mas por obrigações contratuais, tiveram de seguir adiante com a produção. Restou então para os irmãos fechar os olhos e rezarem para que o estrago nas carreiras fosse o mínimo possível. E não só na deles, mas como de todos os envolvidos. Afinal, gente como Aerosmith, Alice Cooper e Earth Wind & Fire vivia o auge das carreiras e uma mancha destas seria incurável.
E foi o que foi. Apresentado como de forma semelhante a uma Ópera Rock, o filme foi lançado e arrasado pela crítica. Em poucas definições, um roteiro terrível, personagens caricatos, construção pífia e um enredo que, apesar de baseado num álbum dos Beatles, não ajudou em nada no filme. As repercussões foram as piores possíveis na crítica e muitos de seus colaboradores simplesmente omitem ou evitam falar da história. Peter Frampton o classificou como lixo, Robin Gibb pedia, em certa entrevista, para pular esta parte, os Beatles, unissonantes, o tacharam como terrível e por ai vai. Só pedradas, e não tinha como ser diferente.
Felizmente, para todos os envolvidos, Sgt. Peppers foi uma verdadeira passagem em branco para todos, embora o filme ainda esteja circulando pela internet para os olhos de qualquer um e até tenha ganho, em setembro do ano passado, uma versão em Blu-Ray. O exemplo mais veemente, é claro, foi dos Bee Gees. Em 1979, os irmãos Gibb praticamente o tornaram passado obscuro quando foi lançado o épico Spirits Havin Flown, recheado de clássicos como Tragedy, Too Much Heaven, Love You Inside Out e outras mais, salvando o trio do fracasso e dando ainda mais crédito na música.
Mas encontrar dados do filme, ao menos em português, é um pequeno desafio. Encontrar o filme completo e até mesmo a trilha sonora foram bons achados e ajudam a explicar alguma coisa. Alias, falando na trilha, talvez seja a coisa que mais se salva no filme. Não espere uma produção primorosa e inovadora, apenas versões modernosas das canções do Sgt. Peppers e Abbey Road, bem produzidas e executadas com um toque ligeiro de Pop e Soul.
Os destaques do disco 1 para as boas execuções de Peter Frampton e dos Bee Gees juntos, bem como a excelente versão de Maxwell Silver Hammer feita por Steve Martin de uma forma tão caricata quanto ele. No disco 2, o groove do Earth, Wind & Fire na execução de Got to Get Into My Life, a marca do Rock batido e marcado do Aerosmith redesenhando Come Together e Billy Preston fazendo o que não fazia nos trabalhos com os Beatles: cantar, e justo Get Back, onde trocou os teclados pelo gogó.
E é com as duas bolachas que terminamos esta incrível história na carreira fantástica dos irmãos Gibb, que prova muito que nem mesmo os grandes êxitos da música internacional estão a salvo de alguma eventual escorregada. A diferença é que é preciso faro e calma para escapar de uma situação que pode, no mínimo, acabar com algumas carreiras.