Exemplos de empreendedores diferentes são raros hoje em dia, e quando aparecem são celebrados por um longo tempo como prova de que, quando se sonha e se quer tornar real, é possível. E isso fica ainda mais forte quando o que move este sonho é uma brincadeira de criança, um hobby, uma fascinação, uma fantasia.
Fantasia, esse era o mundo que permeava a cabeça encaracolada de um velho cowboy paulista, movido pelos contos de bang-bang de John Carradine, John Wayne, Bud Spencer e Terence Hill. Seu pai, conhecido condutor de carro de boi na fazenda que trabalhava, a natureza sempre próxima e aquele ar de campo do interior de São Paulo, na bela São José do Rio Preto, coisas que o inspirariam a transformar-se de menino irrequieto e publicitário dedicado num legítimo herói brasileiro do western, defensor dos animais e dos oprimidos, amado pelas crianças, admirado por empresários, lembrado sempre sobretudo na sua obra máxima na simpática Penha: Beto Carrero.
Mas, contar a história de Beto seria piegas demais para o momento. Há 11 anos atrás, o Brasil era tolhido de surpresa com uma notícia chocante: na busca de tratar um problema cardíaco, o bom justiceiro era levado ao chão do velho oeste da vida naquela manhã de 1º de fevereiro de 2008. Faísca estava a sós no mundo, as crianças que bem o conheciam e mergulhavam nas suas histórias estavam a sós. E eu também, senti que tinha perdido um amigo, e próximo, tão próximo que é difícil para qualquer leigo acreditar.
Quatro anos antes, em dezembro de 2003, encontrei-me com Beto num lance destes que a vida caprichosamente desenha. Foi em Corupá, no norte do estado, no casamento de um de meus bons primos, Harry Boos Junior, num dia molhado com garoa e brisa fresca, algo atípico para um dia próximo do natal. Beto Carrero, para mim, era um vaqueiro tupiniquim ou desviado da sua terra, um personagem vivo que cativava gerações ainda novas com suas peripécias no lombo de Faísca em prol dos oprimidos e dos animais indefesos.
A diferença é que Beto era o cidadão que tinha na veia aquele bicho incurável do empreendedorismo que mencionei no início desta crônica misturado com a fantasia da infância. Inquieto, visionário e diferentão, era um dos publicitários mais queridos de Blumenau, onde tinha contas de várias empresas. Seu longo nome – João Batista Sérgio Murad – era apenas nota de documentos pessoais diante do personagem que tomou do trabalho do pai com os bois – carreiro – parte de seu nome artístico, já conhecido nos shows que fazia pelo Brasil incorporando a persona do justiceiro.
A celebração aconteceu no pacífico seminário de Corupá, onde para chegar era preciso passar por vários bananais, um atrás do outro. Afinal, estamos na capital catarinense da banana, não podia ser diferente. A recepção estava marcada para o belo Tureck Garten Hotel, as margens da BR 280, com pompas mas sem esquecer o aconchego da nova família nascida. Lá que as expectativas aumentavam. Nem as crianças pareciam acreditar que poderiam estar perto do herói. Karin nos garantia que tinha enviado o convite, mas vir era outra história.
Ele vir até nós era novidade, nós irmos até ele já me era, se não normal, no mínimo algo já feito algumas vezes. Até ali, foram duas visitas ao parque, um verdadeiro universo que ia bem longe do simples faroeste. Lá estavam juntas a vida selvagem, a magia, a assombração, o mundo dos piratas, a germanidade herdada de Blumenau, diversos universos em um lugar apenas e cuja viagem entre eles era inevitável, sem contar o prazer. Ao fim do dia, o desfile final, incluindo Beto e seu inseparável cavalo branco, Faísca.
Mas ele veio. De repente, um Mercedes cupê aparece no estacionamento do hotel. Dele, dois tições altos saem, seus guarda-costas, necessário. Bem… necessário? A unica ameaça a Beto eram as crianças que corriam alucinadamente a ele. Ele mesmo, o tal João Batista Sergio Murad, trajado, simples, sorridente, como um sonho para as crianças. Para mim, um grande cidadão, mas não que mudasse meu jeito de tietar. Nunca o fui, nunca fui de babar e correr atrás de celebridades. Assistia-o se aproximar do quiosque onde estávamos, sem reações exaltadas mas com uma postura de admiração, claro.
Não era coincidência, Beto e seus guarda-costas estavam sentados praticamente do nosso lado. Recebeu a nós todos com um cordial aperto de mão e se pôs ao almoço, sempre conversando sorridente com os acompanhantes. Na sua mesa foi preparado, especialmente, marreco recheado, que ele mesmo não deu conta e, educadamente, nos ofereceu como se estivéssemos naqueles almoços de família dividindo a comida democraticamente.
Depois do almoço, era a hora do H, do social. E ai, aquele momento que a história registra e que te surpreende pela aquela sensação de que os gigantes no mundo são gigantes por saberem também descerem dos ditos pedestais. A primeira mesa que o cowboy visitava era, justo, a nossa. Estávamos até meio íntimos depois do almoço, deu para dar umas tiradas cômicas, algum papo mais sério e por ai vai. Um momento bem diferente como tiete.
Foi quando Beto fez o impensável, no bom sentido é claro: a vontade, mirou os olhos em meu avô, o saudoso Godofredo, e não evitou compara-lo com uma verdadeira lenda do faroeste: o carrancudo John Wayne, um dos grandes ídolos do bang-bang americano e presença de filmes como Rastros de Ódio, Bravura Indômita, O Último Pistoleiro e até em cenários fora do velho oeste, como Hatari! e Os Boinas Verdes.
Ai, o cowboy voltou a ser menino. Beto não se vexou, mostrou que entendia mesmo do riscado, deixou o lado saudoso correr e caiu na graça num momento incrível: tirou seu chapéu, parte das mais marcantes da composição de seu personagem, para então coloca-lo na cabeça de meu avô. O registro deste momento é quase como um troféu, muito bem guardado e, claro, devidamente compartilhado.
O dia passou, Beto fez seu social e saiu tão discretamente quanto chegou. Cumpriu o prometido com Karin e encantou a todos. A vida para Beto seguiu feliz e cheia de desafio por mais quatro anos, quando nos deixava naquela manhã de fevereiro de 2008. Sua obra vive até hoje, realização material de seus sonhos e da sua visão que ainda encanta visitantes de todas as partes do Brasil e do mundo, mexe com as emoções das crianças e prega belas lições de vida e de respeito a natureza.
Na minha última visita ao Beto Carrero World, em maio do ano passado, não pude hesitar em ficar parado ao menos uma meia-hora diante da estátua de Beto. De um bom amigo que deixou este plano um tanto cedo, mas que não saiu daqui sem deixar suas lições de empreendedorismo, criatividade e humildade… e, uma recordação fabulosa de uma tarde de dezembro.
Gratidão, Beto!