Se você esteve nos bancos escolares, sabe de cor e salteado a história oficial sobre como o Brasil virou Brasil. Segundo o que rege a história oficial, a esquadra de Pedro Álvares Cabral aportou onde hoje é Santa Cruz Cabrália em 22 de abril de 1500, o que foi atribuído a uma mudança de rota da navegação original – que rumava para as Índias – sem que os navegadores pudessem notar.
O momento da chegada é lembrado ponto a ponto na carta do escrivão da esquadra, Pero Vaz de Caminha, que relata também os primeiros contatos com os índios (batizados assim pois Cabral achava estar nas Índias) e a primeira missa, celebrada pelo padre Henrique de Coimbra na recém-batizada Terra de Vera Cruz. Ao menos, esta, em outros detalhes, é o que relata a história que tanto se fala e até se divulga pela na mídia como descobrimento do Brasil. Mas acredite, nas palavras de um famoso personagem da Escolinha do Professor Raimundo: Há controvérsias!
Este bordão do fim do último parágrafo pertence a um dos personagens mais marcantes da trupe de Chico Anysio, o discípulo de São Tomé da sala, Pedro Pedreira. Interpretado com brilhantismo pelo saudoso ator Francisco Milani, um dos mais talentosos do Brasil, era o cidadão que duvidava das perguntas sobre história que Raimundo Nonato lhe fazia, sempre pedindo provas e comprovações ridículas e, ao mesmo tempo, cômicas. Uma mais estranha do que a outra, como sobre a Revolução Francesa, Fundação da cidade de São Luis (MA), Quilombo dos Palmares e sobre Lampião e Maria Bonita, por exemplo.
No entanto, uma delas resvalou numa verdadeira controvérsia: Se realmente o Brasil foi descoberto ou conquistado. Na temporada de 1993 (ep. 333), em meio a palhaçadas para fazer o carrancudo personagem rir, Raimundo tenta perguntar sobre o descobrimento do Brasil, sendo interrompido pelo bordão. O resto do roteiro desenrola-se na procura de provas, mas tem o ponto forte na pergunta de Pedreira para o professor de forma enérgica: O que faziam aqui aqueles milhares de índios quando Cabral chegou?
Não vou ser spoiler, veja você o trecho:
Pedreira não estava de todo errado nesta indagação. Por impossível que você possa imaginar há sim controvérsias sobre a história oficial da chegada de Cabral e do sentido da viagem dos portugueses naquelas terras em 1500. Falar em descobrimento é levar ao pé da letra o verbo descobrir, que puramente falando segundo o Aurélio, significa “achar ou encontrar algo ou alguém”. No entanto, não é mentira alguma que, bem antes de Cabral, eram os índios que habitavam as terras desde os tempos das migrações de povos vindos possivelmente pelo Estreito de Bering ou pelas navegações pelo Pacífico, como ditam as teorias de migração vindas da Polinésia e de outros cantos daquele oceano.
Sendo assim, como descobrir o que já era de alguém?
Outra corrente de pesquisas recentes sobre a história nacional dizem respeito até se Cabral não sabia mesmo da existência destas terras e, ainda mais, se realmente a equipe do capitão português foi mesmo a primeira a pisar nas tais Terras de Vera Cruz. Indícios mais antigos dão conta de que o cosmógrafo Duarte Pacheco Pereira participara de uma expedição secreta em busca da existência de novas terras a oeste do Atlântico, navegação esta que ocorreu em 1498.
O que pode reforçar que a vinda ao Brasil não foi por acaso é que Duarte era um dos tripulantes da esquadra de Cabral, dando a entender perfeitamente que a equipe sabia muito bem onde ia e que a passagem em nosso litoral não foi por acaso. Foi sim para conhecer melhor o local e afirmar a Europa a posse desta parte do território para Portugal, o que foi definido no Tratado de Tordesilhas, assinado quatro anos antes da expedição de Duarte, em 1494.
E ainda mais, o cosmógrafo português também pode não ser o primeiro a pisar aqui, visto que outros navegadores chegaram ao continente antes de Cabral, como os espanhóis Vicente Yáñes Pinzón e Diego de Lepe e o português João Coelho da Porta da Cruz, isto tudo ocorrendo entre 1493 e 1498, nos primeiros anos de vigência do tratado.
Se Chico Anysio sabia ou não destes estudos, nunca mais saberemos, sendo que o inesquecível humorista nos deixou em março de 2012 sem nunca ser questionado sobre esta passagem da saudosa Escolinha, assim como o próprio Milani, que faleceu cinco anos antes do que Anysio, em agosto de 2005. A história nacional, tão esquecida, distorcida, mal explorada e mal cuidada, nunca aprofundou o que pode ser um erro histórico de nossa própria origem, o que tem consequências terríveis para o entendimento da construção de povo que temos desde os primórdios.
Na opinião deste jornalista, falar em descobrimento é entender muito superficialmente sobre a origem do país que vivemos. Foi através de uma fala do saudoso professor Ademar Jonas Mafra, durante uma das aulas de história que tive naquela metade de quinta série (2001) que tive contato primeiro com esta teoria da conquista, o que de fato não é errada e deve ser ponderada. Afirmar ao brasileiro veementemente que fomos descobertos em 1500 é, como diria novamente Pedro Pedreira, pura irresponsabilidade.
Nem preciso mencionar ao pé da letra a celebração dos 500 anos da chegada de Cabral, em 2000, cercada de polêmicas especialmente pela exclusão do papel indígena na história nacional.
Pede-se que a história seja profundamente revista sem rodeios e fantasias. Diga-se a verdade e, ainda parafraseando Milani, não me venham com churumelas!