Índia e Paquistão: Sete décadas de vizinhança, tensão e rivalidade

De um lado, hindus. Do outro, muçulmanos.  Na Ásia Meridional, uma antiga rivalidade, marcada por anos de guerras, tensões e embates, tem seus momentos de fascínio e confraternização, por incrível que pareça. É a relação curiosa entre Paquistão e Índia, que completam sete décadas de independência e história (AFP)

Eles podem ser ditos como os verdadeiros Irmãos Karamazov entre os países da comunidade internacional. Há exatas sete décadas dividem praticamente o mesmo canto da Asia Meridional desde que sairão do julgo da Grã-Bretanha. De um lado, os muçulmanos, do outro, os hindus. Dois países que, se não é a maior, talvez seja uma das maiores, mas complicadas e, ainda assim, mais curiosas rivalidades de todas.

Neste ano, apesar do aumento das tensões, Índia e Paquistão estão em grande festa, embora ela esteja permeada pela constante tensão que ronda as duas nações por conta de suas disputas territoriais. Apesar das guerras e dos embates entre as duas nações, indianos e paquistaneses cultivam uma curiosa rixa, que por incrível que pareça não se leva em sua maioria para a briga corporal, mas sim no esporte e numa curiosa demonstração militar onde quem ganha é a história e o grito de cada lado.

A divisão e a Caxemira

Em 1947, depois de tempos de pressões nas colônias da Asia, a Índia Britânica foi dissolvida, sendo criados então dois territórios independentes: A União da Índia e do Domínio do Paquistão. Do lado indiano, a independência veio após anos de resistência pacífica dos hindus liderado por Mahatma Gandhi, que pregava o embate sem armas nem enfrentamento. O Paquistão, por sua vez, era composto de maioria muçulmana e ganhou a independência com o fim do domínio britânico no território, tendo como líder maior Muhammad Ali Jinnah, advogado assim como Gandhi mas que, ao contrário do seu colega hindu, pregava a divisão do país por conta das questões religiosas.

Mahatma Gandhi abraça amigavelmente o fundador do país vizinho, Muhammad Ali Jinnah. O fim da Índia Britânica em 1947 permitiu a criação de duas nações, divididas justamente pelas religiões de seus povos. (Reprodução)

Durante os anos, a demarcação e as disputas territoriais sempre foram uma pedra no sapato na relação dos dois países. Índia e Paquistão já se enfrentaram em três guerras, isto sem contar em inúmeros conflitos de menor porte. As hostilidades vez em quando ganham as páginas dos jornais por conta de atentados terroristas de ambos os lados quanto de enfrentamentos e encaradas das duas forças militares.

A grande questão central do conflito entre hindus e muçulmanos tem nome e grife: Caxemira. Localizada ao norte das duas nações, a região tem atrativos marcantes como os recursos hídricos ideais para o desenvolvimento da agricultura e da pesca, além, é claro, da lã extraída das cabras nativas da região, responsável pelo tecido que comummente conhecemos no Brasil como casimira, de textura suave e muito procurado no mercado internacional pelo seu brilho e qualidade no feitio.

Mapa da região da Caxemira, em disputa por indianos e paquistaneses. Ainda este ano, a Índia fez novos movimentos no conflito que já vem de décadas sem solução (Reprodução)

A região é o principal agravante de conflitos que não envolvem apenas indianos e paquistaneses como também chineses e insurgentes que buscam a criação de um estado independente da Caxemira. Os atentados terroristas continuam até hoje, com reflexos na vida civil dos dois países. Recentemente, a corrida armamentista – sobretudo possíveis armamentos nucleares – tornou-se um perigo para a estabilidade da região, que ainda busca uma solução definitiva para um conflito que se arrasta por anos sem solução e com a perda incalculável de vidas.

Hoje, cada lado vive um momento diferente política e economicamente, vivendo seus bons momentos ou confrontando seus demônios. Os indianos passam por um momento de intenso desenvolvimento econômico, porém ainda se debatem em questões morais como a divisão social por castas (algo que tem desaparecido, mas ainda é presente), casamentos arranjados e as posturas com relação as mulheres. Já o Paquistão, além dos contrastes sociais, sofre com os avanços de grupos terroristas no seu território, como o Talibã. Afinal, foi lá que em maio de 2011 o exercito americano matou o perigoso líder do grupo, Osama Bin Laden.

Parte da região central de Nova Deli, a capital indiana, com seus clássicos Tuk-Tuks cortando as ruas. Abaixo, panorâmica de Islamabad, capital do Paquistão, com o verde entre os poucos prédios. Dois países que vivem momentos opostos, entre as benesses e os demônios do cotidiano (Reprodução) 

Por trás do conflito, encontros alegres

No entanto, se a relação entre as duas nações tem seu momento de tensão, felizmente o plano militar e político fica apenas na mão dos seus verdadeiros praticantes. Do outro lado desta história, a rivalidade de Índia e Paquistão ganha contornos curiosos e marcantes, quase como parte da cultura de ambos. No mundo cultural, indianos e paquistaneses gozam de prestígio dos dois lados da fronteira, seja na música ou nos filmes, sobretudo na prolífica indústria cinematográfica de Bollywood.

Isto sem falar no esporte, onde o críquete monopoliza atenções a cada encontro, seja nos torneios regionais ou na Copa do Mundo da modalidade, onde os indianos possuem dois títulos (1983 e 2011) contra uma conquista paquistanesa (1992). Para quem não sabe, o críquete é quase como o corriqueiro jogo de taco, muito comum nas ruas dos subúrbios das cidades brasileiras.

Olha só um embate entre Índia e Paquistão deste ano, no críquete internacional (se você conseguir captar bem as regras):

https://www.youtube.com/watch?v=0xMaAm8M-Eg

Mas o encontro mais curioso na rivalidade de indianos e paquistaneses não está nas telas de cinema ou nos campos do sagrado cricket dos dois países, mas sim num ponto em comum na fronteira entre os dois. É na cidade de Wagah onde está o único ponto de passagem na fronteira entre Índia e Paquistão, uma fronteira complicada, onde tudo é vigiado buscando ilícitos ou possíveis terroristas, mas também palco de um evento, no mínimo, curioso no mundo militar.

Todo dia, as 16h15 (17h15 no verão), é realizado nos portões da fronteira uma cerimônia militar de fechamento da passagem. Mas se você acha que cada lado faz o seu e pronto, engana-se. O evento diário é, para a população local e até para turistas, um espetáculo comparável a um evento esportivo, com torcida e tudo. Dos dois lados, o público grita, aplaude e incentiva os grupamentos militares e seus movimentos intensos, cada lado tentando superar o vizinho. É tanta gente que, recentemente, os governo da cidade instalou arquibancadas para o público assistir a atividade com mais conforto.

Bandeiras baixadas em Wagah. Hora de fechar o único ponto de cruzamento na fronteira entre Índia e Paquistão. Mas não algo simples, tem que ter espetáculo, uma curiosa demonstração militar com plateia, torcida e movimentos extravagantes (Reprodução)

E na pista vale tudo: o pé mais alto, o grito mais alto, a marcha mais firme e por ai vai. Os militares se encaram, com caras firmes, chamando ao desafio, tendo ao fundo os gritos alucinados da torcida ao fundo. No fim, um aperto de mão simples e mais batidas de pés encerram a solenidade, talvez o momento mais pacífico entre indianos e paquistaneses nos dias atuais.

Você já viu? Da uma olhada ai como é esta curiosa cerimônia:

Do lado indiano:

Do lado paquistanês:

Chega a ser estranho um encontro como este de soldados de dois países, sobretudo duas nações cujas tensões são constantes. Mas a cerimônia militar e os eventuais encontros entre hindus e muçulmanos naquele cantinho da Asia da um certo alento de que um dia, indianos e paquistaneses possam resolver de vez suas diferenças e conviver em verdadeira paz, como tanto queria Gandhi. É apenas um simbolo, mas que traz sorrisos aos dois lados do portão de Wagah.

E assim se vai a vida de Índia e Paquistão, Paquistão e Índia, onde longe das bombas e balas, escrevem-se histórias de amizade e… rivalidade. No esporte, no cinema, na vida em comum e, claro, nos encontros vespertinos, onde o bater de pés e os gritos são de alegria e torcida sob o por-do-sol.

O aperto de mão antes do fechar dos portões…
… e que seja muito mais do que uma simples saudação militar entre dois povos tão próximos (Reprodução)

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