Quando Ronnie Von “desafiou” a Jovem Guarda

O sempre sorridente "Príncipe" Ronnie Von: No ferver da Jovem Guarda, alguém ousou fazer diferente. Pagou um preço alto, mas plantou a semente, mesmo quase sem ser lembrado (IG)
O sempre sorridente “Príncipe” Ronnie Von: No ferver da Jovem Guarda, alguém ousou fazer diferente. Pagou um preço alto, mas plantou a semente, mesmo quase sem ser lembrado (IG)

Neste último sábado (22/08), a musica brasileira celebrou o aniversário de 50 anos da estreia do programa Jovem Guarda na TV Record. A atração, que fez as tardes de domingo de futebol serem de propriedade da brotolândia, foi a responsável pela consolidação de uma identidade adolescente da juventude brasileira, processo que vinha se construindo desde os anos 50, quando o Rock pousou em nossas terras, na voz dos irmãos Tony e Celly Campello.

O programa tinha o comando das três mais quentes figuras do movimento naquele tempo. O Rei Roberto Carlos, o Tremendão Erasmo Carlos e a Ternurinha Wanderlea. Além deles, um desfile de cantores e bandas que pipocaram com a popularização do estilo e o sucesso dos Beatles no exterior era a marca maior. Nomes como The Fevers, Os Incríveis, Os Vips, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Sergio ReisEduardo Araújo, Martinha, Waldirene, Leno & Lilian, Deny & Dino e tantos outros enveredaram pelo palco da Record e pelas mentes enluaradas dos jovens daqueles tempos.

Erasmo, Wanderlea e Roberto. Os donos das tardes da Record. Jovem Guarda consolidou o estilo dos adolescentes. No entanto, teve quem pensasse "fora da casinha" (Reprodução)
Erasmo, Wanderlea e Roberto. Os donos das tardes da Record. Jovem Guarda consolidou o estilo dos adolescentes. No entanto, teve quem pensasse “fora da casinha” (Reprodução)

No entanto, em fins dos anos 60, quando a Jovem Guarda era a palavra de ordem na música, havia quem queria tomar um caminho diferente. Alguns ainda mais loucos que viam muito além das baladas românticas dos movimento. Era um Pop/Rock mais classudo, mais intelectual e, as vezes, incompreensível para mentes ainda não preparadas. Era a marca de bandas que começaram a enveredar por este caminho obscuro, perigoso mas ousado.

E eis que, nesta mesma vereda um popular resolve bater junto contra o conformismo das melodias populares da época. Filho de família nobre, aviador e um pão para as moças daqueles idos, o jovem Ronnie Von de cabelos esvoaçados arpuava o coração das jovens com melodias semelhantes as da Jovem Guarda, como Meu Bem e A Praça. No entanto, este caminho de superficialidade musical não era o que Ronnie queria. Por trás do que a mídia pregava por ele (e contra ele) havia um cidadão disposto a criar a própria revolução musical, a própria identidade musical.

Os Mutantes em ação. Grande parte da evolução da banda se deve ao "Pequeno Mundo de Ronnie Von" (Divulgação)
Os Mutantes em ação. Grande parte da evolução da banda se deve ao “Pequeno Mundo de Ronnie Von” (Divulgação)

Depois de estrear com louvor na cena musical da época (e por acaso, já que cantava quase que por diversão), Ronnie percebera que o caminho da industria fonográfica, o da beleza estética e das letras pobres de elementos novos, não era o que ele realmente imaginava. Astro do próprio programa na TV Record desde 1966 (O Pequeno Mundo de Ronnie Von), Ronnie trazia ao palco um cast selecionadíssimo, mais por conta da regra geral: Se tocar na Jovem Guarda, não toca no meu programa. Os Mutantes, Beat Boys, Baobás, B-612, os que queriam algo novo encontravam lá uma guarida para o seu talento.

O difícil era crescer musicalmente diante do pensamento popularesco imperante na Polydor, onde Ronnie gravava. Diante da competição entre os dois programas, o Príncipe (apelidado por Hebe Camargo) era visto como uma espécie de vilão da Jovem Guarda, onde ele nunca pisou, ao contrario do que se pensa insistentemente. Segundo o que conta o produtor musical Arnaldo Saccomani, no documentário Quando Éramos Principes, de 2014, talvez a Jovem Guarda achou, por um momento, que ia perder o poder, dado este tufão chamado Ronnie Von.

O disco de 1967: Os primeiros passos de revolução do Príncipe começaram aqui (Mercado Livre)
O disco de 1967: Os primeiros passos de revolução do Príncipe começaram aqui (Mercado Livre)

Neste caminho de mudança e busca pelo estilo musical fora do conformismo artificial das musicas da Jovem Guarda, Ronnie foi a luta. Largou de vez o popularesco e encarou as inovações do Rock psicodélico a lá Sgt. Peppers, numa nova proposta musical alternativa e inovadora ao modelo vigente Começou ainda em 1967, de forma ainda tímida, mas ganhou corpo nos anos seguintes.

Três álbuns foram o reflexo desta procura: O de 1968 (sem nome), A Misteriosa Luta do Reino de Parasempre Contra o Império de Nuncamais (1969) e A Maquina Voadora (1970). No entanto, nenhum deles foi um sucesso de vendas. A mente musical brasileira não estava pronta para tanto. Nem mesmo a Polydor estava pronta para tanto.


A pouca repercussão foi um balde de água fria para Ronnie. O modelo comum, somada a ascensão do tropicalismo (mais próximo da MPB) colocaram a intentona do Príncipe em um segundo plano extremamente obscuro. Ronnie ainda tentou pitadas de Rock nos discos de 1973 e 1974, mas volveu a um Pop mais contido, um pouco mais romântico, voltando a ter uma certa popularidade. Apesar do aparente fracasso, a semente estava plantada, e durante a década de 70 o Rock nacional iniciaria uma nova revolução.

Ronnie no comando do "Todo Seu" pela TV Gazeta. Mesmo com os ternos engomados de sempre, a mesma pose de jovem rebelde sempre pronta a aparecer (Divulgação / TV Gazeta)
Ronnie no comando do “Todo Seu” pela TV Gazeta. Mesmo com os ternos engomados de sempre, a mesma pose de jovem rebelde sempre pronta a aparecer (Divulgação / TV Gazeta)

Ronnie Von, de cantor, virou apresentador de TV. Comanda o programa Todo Seu na TV Gazeta, com um relativo sucesso. Mas por trás da figura de gentleman que criou ainda se esconde o mesmo jovem inconformista de antes. O documentário Quando Éramos Principes, exibido pelo canal BIS em 2014, revisita este período desconhecido da carreira do Príncipe, iniciador de uma nova revolução no Rock nacional. Vale a pena conferir:

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=cW1OpuCXbaA]

Fica a recordação, justo no aniversário do Jovem Guarda os momentos em que o poder do Rei foi questionado por um ousado Príncipe. A música nacional não seria mais a mesma desde então.

3 comentários em “Quando Ronnie Von “desafiou” a Jovem Guarda”

  1. André,
    Uma bela recordação da Jovem Gurda 50 anos.
    Seu texto relata bem como foi essa época em rápidas pinceladas. Ronnie Von realmente foi bem querido na música popular, mas não tanto pelas suas melodias, que foram poucas duas ou três com sucesso, diferentemente dos outros da jovem guarda, e principalmente de Roberto Carlos. Ronnie Von jamais foi ameaça para o RC, ele apenas pintava como Príncipe de bonzinho, queridinho, nada mais que isso. Mas em particular gostava dele.
    Creio que voc~e não saiba, mas em 1967/68 surgiu Paulo Sérgio um cantor muito melhor que Ronnie Von e outros da jovem guarda, este até fez cocegas ao RC, mas quando em 1968 Roberto Carlos lançou o LP o Inimitável – se referindo a voz parecida de PS, que começou imitando-o, a carreira do bom cantor Paulo Sérgio naão decolou como muitos esperavam. Porme ao contrário de Ronnie Von, Paulo Sérgio fez canções maravilhosas, e não foram poucas em especial a “Última Canção” a melhor e mais linda dele, assim como RC com a música “Detalhes”. Pena que Paulo Sérgio morreu no dia 28 de julho de 1980 – após se apresentar no palco, e ao sair foi interpelado por uma moça que o deixou nervoso, jogou uma pedra em seu carro e outros detalhes. Em sua cura carreira mais promissora de 1968-1980 vendeu mais de 10 milhões de cópias, esse sim deveria ser o príncipe da música.
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau

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