(Escrito em 13 de outubro de 2016)
É dia 13 de outubro, pós-feriado, chuva no ar, e pela mente corre os acordes de Mário Zan, inigualável acordeonista cujas notas de sua Todeschini me fazem correr brevemente para um momento da infância/adolescência. Hoje, dei um breve breque nas minhas notícias diárias para prestar uma reverencia única ao meu avô, homem histórico para o Garcia e inspiração até para o nome de nosso espaço: Godofredo Heiden.
Foi no 13 de outubro de 2014 que ele despediu-se de nosso convívio, partindo com 101 anos de vida bem vivida e registrada em histórias e mais histórias de um passado distante e um tanto inocente. Quis o destino que sua partida para junto de minha avó – Maria Heiden – fosse num dia 13, seu número preferido, e numa segunda-feira, onde há algum tempo e quase que religiosamente, exercitava os dons de bailador no salão do CSRCT Garcia-Jordão, onde também tinha recordações mil dos tempos de grande atirador… Quantos caprichos da vida.
Godofredo, último dos irmãos da numerosa família de Henrique Heiden e Ida Baumgart, nasceu num dia 19 de junho de 1913 na ainda diminuta cidade de Brusque, que ainda descobria-se como o berço da fiação catarinense. Um ano em que ainda se ouvia falar de Áustria-Hungria, de política do café-com-leite, imigração e que a guerra estava perto nas monarquias da Europa. Em busca de uma vida melhor, a família atravessou a primitiva estrada de Guabiruba (hoje chamada coloquialmente de SC-420) a pé, levando muitos dos pertences em um baú surrado rumo a Blumenau, onde estabeleceu primeira residência na Rua Belo Horizonte, bairro Glória.
Jovem, espoleta mas trabalhador, Godofredo começou a garimpar a vida mesmo nas fileiras da Empresa Industrial Garcia (EIG), decifrando os segredos dos clássicos teares que costuravam o progresso do bairro que emergia a sua volta. Longe do parque fabril, Godofredo aprendera a domar uma de suas grandes paixões na vida: A gaita. Uma aparentemente tímida gaita Hohner de botão, importada da Alemanha, com 12 baixos, muitas belas canções tocadas e muitos causos contados.
Era um tempo mais raçudo dos músicos que tocavam tudo de ouvido e aprontavam as maiores nos bailinhos da região. Alias, entre bailes e contos de antigamente Godofredo tinha uma caixa cheia de histórias, ávidamente ouvidas por mim independente de quantas vezes ele as contasse para mim. Até posso ver a imagem daqueles dias: Sentado na mesa da cozinha, implorando para que me repetisse algum daqueles causos e ouvindo com a curiosidade saudável de uma criança.
Se eu fosse contar todos os causos de Godofredo aqui iriamos ter um quase-livro neste post. O dia de furou o fole da gaita depois de uma bebedeira inocente; os causos do sr. Vicente, que dizia ter visto o diabo na Rua Julio Heiden e quase matou um homem com tantos tiros na cabeça; as viagens para Iguape e São Paulo, começando com Malária e terminado cercados de jagunços; a perda do pai justo no dia que fora desligado do quartel; os causos do temo do táxi, do armazém de secos e molhados e por ai afora… Não duvide, leitor amigo e amiga, eu ainda vou contar mais sobre eles aqui no blog. Questão de tempo.
Mas ah, Dindo…as histórias que nunca esqueço. Elas moveram sua existência de tal maneira que tornaram-se retratos da história e da batalha de um pai de família que apenas queria construir uma vida tranquila para a Dinda e para os seus na esquina do Progresso com a Guarapari, onde moramos até hoje. A vida permitiu que ele encontrasse o amor junto de minha avó e, dele viessem cinco rebentos que, direta ou indiretamente, carregam um pedaço de você, assim como hoje carregam em suas lembranças.
Entre as tantas ocupações de vida – nos teares, como taxista, dono de armazém, músico e entregador – talvez uma das mais nobres tenha sido a ocupação de avô. Das histórias contadas no berço e lições que tomava nas broncas que dava, Godofredo sabia como arrancar um sorriso de quem o visse. Tinha aquele jeito bonachão de um bom senhor alegre com a sabedoria de quem havia vivido tantas coisas em um tempo tão longo. A vida foi-lhe generosa em lhe dar uma resistência tão grande quanto o carvalho, muito embora, assim como nós mesmos, as árvores também partem.
Não há mais as reuniões animadas dos netos e sobrinhos na cozinha apertada dos fundos do 2405, como haviam no passado, não há mais a gaita rasgando a noite para abafar os sons dos programas políticos, o cheiro de galinha ensopada no velho Dako vermelho, os pães amassados junto de minha avó, o terço da Rede Vida rezado e intercalado com cochiladas da idade e nem a presença constante do vigilante moço de boina branca cuidando dos gatos e jogando papo fora no velho banco.
Mas hoje não é um dia para entristecermos, talvez até o velho senhor cujo nome em alemão significa a paz de Deus não quisesse assim. Nada destas memórias é motivo para nos encolhermos no nosso canto lamentando, pois figuras históricas e marcantes de nossa vida não morrem por completo, deixam pegadas na trilha de nossas lembranças e que fazemos de tudo para que não se apaguem. E, como neto, como esquecer Godofredo e suas histórias?
Amigo leitor, amiga leitora, sei que devo ter me alongado muito neste memorial, mas quando se trata de uma figura história – além de um amado avô – não posso me omitir a poetizar. Se você, Dindo, estiver lendo em algum lugar lá em cima, ao lado da Dinda e de outros tantos entes queridos e personas históricas do Garcia, saiba que tudo está bem na terra, pelo menos no nosso lado. Sentimos sua falta, é verdade, mas eu e tantos outros parentes e amigos não deixamos de toma-lo como inspiração na vida, a começar por mim e pela boina que, independente do que os outros falam e difamam, está na minha cabeça como herança constante de seus ensinamentos.
Obrigado sempre, Dindo! Um dia nos vemos por ai!
(P.S.: Se o amigo/mentor/irmão Adalberto Day ler esta cronica, pode ficar a vontade para usa-la. E aguarde que logo virão também as belas histórias de meu avô que tanto prometi.)
André,
Mais uma bela postagem. Só hoje 18/10/16 consegui abrir, algum problema com o link.
Bem falar de teu avô é história pura e sei que ele curioso como você sempre foi, lhe contou muitas histórias desse nosso querido Grande Garcia, em especial Glória e Progresso. Um trabalhador da EIG de muito brio, um taxista responsável, um gaiteiro de mão cheia. Um homem que viveu e nos deixou um legado de vida correta junto a família, um homem que no olhar contava cada cantinho de nosso bairro, em fim um homem que deixou um legado a ser seguido por quem o conheceu.
Que DEUS o guarde em um lugar especial.
Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau.