Caso Verdade: “Blumenau, Tudo Azul”

Toda vez que falamos de 1983, a gente sempre se pergunta: “de onde tirar algo diferente para contar daqueles meses de enchente?” E claro, dá pra requentar uma pauta tão clássica de nossa história quanto aqueles dias de julho?

Eu não duvido que todo e qualquer jornalista dessa cidade fica andando em círculos, indo praticamente no óbvio: depoimentos de pessoas que viveram as enchentes, imagens de arquivo e até mesmo a clichê e errática definição de que esta foi “a maior enchente da história de Blumenau” reaparecem.

Não culpo ninguém, a correria é grande e é difícil sair do comum para marcar um mês de lembranças, mas por ter tantos olhares e arquivos guardados (surpreendentemente, é claro), sempre aparece algo meio que “boiando” no nosso caminho. É só se sentar, mergulhar hipoteticamente nas águas barrentas da mente e ligar a máquina do tempo da curiosidade: sempre cai algo.

Eu poderia contar de meu próprio círculo familiar, por exemplo: meu tio/padrinho foi um dos tantos radioamadores que se colocaram a serviço da comunidade, passando quase uma semana aquartelado no Ceasa fazendo a ponte de comunicação de lá a outros setores. Minha mãe, com quatro anos trabalhando nas Lojas Hering, sempre relembra alguns momentos daqueles dias, de como era difícil chegar ao local de trabalho, driblando ruas enlameadas e um prédio comercial em constante limpeza.

Isto é só um exemplo de como todo mundo que tem uma ligação com 1983 – direta ou indiretamente – nessa cidade tem algo para contar. Livros, documentários, podcasts, pode-se fazer o que quiser, a série de cheias que paralisou o Vale naqueles idos é uma infindável fonte de assuntos, registros e descobertas que vagam entre o surpreendente e o curioso. E tudo permeado por aquele ar pesado de desespero, tristeza e um certo heroísmo em meio a água e lama.

Uma capa do Santa chocante? Não tinha como ser diferente, era julho de 1983

Hoje aconteceu de novo, 08 de julho de 2023. Há 40 anos, neste dia, as águas já estavam muito próximas do pico de 15.34m (seria atingido no dia seguinte). O sábado em que escrevo essas linhas, curiosamente, começou chovendo, em um dia com uma incômoda umidade no ar. Interessantes coincidências para um dia de hoje, não?

E nessa perseguição para escrever algo diferenciado sobre 1983, que recontasse algo novo, o desbravador das ferrovias Anthar Cesar Hartmann me joga essa no ar: um “Caso Verdade” produzido pela Rede Globo no ano seguinte, antes ainda da cheia de agosto de 1984, como entrega o trecho final do último capítulo.

Rapidamente explicando, o programa era o sucessor do antigo “Caso Especial”, que contava uma história em série ou em um único episódio, destacando desta vez escritos e “causos” de pessoas que escreviam para a emissora. Neste caso em especial, não se sabe se foi alguém que escreveu ou se foi uma produção pensada direto da base, no Rio de Janeiro.

Seja como for, a produção dirigida por Reinaldo Boury e com a colaboração da então TV Coligadas tenta recontar, em seis episódios, o difícil período de enchente, enfocando famílias, casos românticos (tinha disso!) e até o nervosismo e a tensão na administração pública. No elenco, alguns nomes conhecidos, ao menos pelos mais cult dos anos 1980: a cantora Carmen Silva, Ênio Santos, Irving São Paulo, Jofre Soares, José Parisi, Norma Blum, Tamara Taxman e alguns outros.

A abertura de mas um capítulo daquele Caso Verdade, adornada com a versão de “Eu Sou de Blumenau”, da Banda Cavalinho Branco. Abaixo, o então prefeito Dalto dos Reis em sua cena na produção: um pronunciamento solene e marcante, “nós vamos conseguir”

E, de largada, posso adiantar sem dar spoilers que tudo tem um ar extremamente romanceado e dramático, do ponto de vista de produção para a TV. É um trabalho de teledramaturgia, com um enredo criado que permite alguma liberdade poética, mas não toda. Soa forçado da parte da interpretação, é claro, combinado ao exagerado clima positivista e o constante “chopp e dança” que se pintava de realidade na época.

O que não tem tom de interpretação, e talvez trema um pouco a mente e os olhos, é o pronunciamento do então prefeito Dalto dos Reis, que não se sabe se foi uma fala gravada à época ou encenada para a produção. De certo, talvez a parte que mais emociona, dado as memórias de Dalto (muitas contadas à este escriba, em conversas informais) de desespero e aflição, sobretudo nas noites totalmente no escuro daqueles dias.

Enfim, se queria eu contar ou resgatar algo que não contamos sobre 1983, talvez seja o mais inusitado que o período me permita. Por mais que pareça que perdemos muito, chega a ser contraditório dizer, mas ainda há histórias a se contar depois que aquelas águas baixaram.

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