Oktoberfest em recortes: Lances curiosos de 35 anos

Então, eis que o grande dia, aquele que milhares de foliões contam nos dedos aguçadamente ano a ano: é dia de abertura da Oktoberfest em Blumenau. A maior festa alemã das Américas começa nesta quarta (09/10) a mostrar as suas bossas para mais uma odisseia repleta de tradição, muito chopp e comida típica, momentos memoráveis e, claro, história.

Alias, chega ao óbvio ululante desde há muito tempo referir-se a Blumenau como “a terra da Oktoberfest”, o que não é ofensivo embora sempre se buscou tirar a cidade da história antiga de um rótulo só. No entanto, passados 35 anos desde a corajosa e modesta primeira edição, muita história se escreveu, lances curiosos, dramáticos, polêmicos e gloriosos de um passado que temperou a festa ao ponto de chegar em 2019 como um evento qualificado, reconhecido nacionalmente e de tamanho porte que espanta do carnaval à semana farroupilha em proporção.

E como A BOINA não perde a oportunidade de contar uma boa história, resolvemos separar alguns dos momentos mais importantes e interessantes da história da Oktober ao longo dos anos. É claro que não é uma lista completa, e quem segue o blog pode relembrar outros “causos” nos comentários, seja no post do site ou na fanpage no Facebook.

E nesta relação tem de tudo, desde o começo sem relação com as enchentes a musica das bandas alemãs. De tragédias e caos a debandadas que enriqueceram a musica germânica da cidade-jardim e outros contos alegres. Quem curte uma boa histórica, cola ai e vamos viajar no tempo que vale a pena!


Essa da enchente não cola!

A velha máxima de que a “Oktoberfest foi criada para levantar o moral dos blumenauenses depois das grandes enchentes” é o fato mais batido que há com relação a festa. No entanto, se você ainda repete esta frase a exaustão, está 20% certo, mas não foi a enchente o grande motivador.

A vontade de se fazer a festa já existia desde o final dos anos 1970, mas foi por volta de 1982, na administração do prefeito Ramiro Rudiger que um pedido concreto surgiu, vindo do então secretário de turismo Adolfo Ern Filho e do então candidato a prefeito Dalto dos Reis, como um de seus compromissos de campanha. As obras da prefeitura (a nova sede da prefeitura e a pavimentação da Rua dos Caçadores, por exemplo), no entanto, adiaram os planos para 1983, quando o start inicial seria dado.

O então governador Esperidião Amin, sob olhares do então prefeito Dalto dos Reis e do então secretário de turismo Antônio Pedro Nunes, na sangria do primeiro barril. Era o começo de tudo, concretização de um plano vindo bem antes das águas da enchente (Angelina Wittmann / Família Nunes)

Infelizmente, a série de seis enchentes e a calamidade daquele ano chutaram os planos para 1984. Há quem diga ter visto os primeiros elementos decorativos da festa já em 1983, como o cenário do “céu” no teto do então Pavilhão A. Eis que 1984 chega e outra enchente se desenha, era uma apenas, maior que a de 1983 por nove centímetros, mas que colocaram os planos sob incerteza mais uma vez.

Mas não havia o que adiar. Segundo palavras do ex-prefeito Dalto dos Reis, era o momento e nem era, totalmente, pelas enchentes, mas por aquela velha história do “timing perfeito”, se perde-lo agora, a Oktober não nasce, e assim ela nasceu em 1984, mesmo sob algumas esparsas críticas pelo nascedouro ser alguns meses depois outra grande enchente.

Ela nasceu, durou 10 dias e assim não parou mais. A relação com as enchentes criou a aura de “renascimento”, mas lembre-se, não foi totalmente ela, e a história conta muito bem.


A mão de Fred

Um dos personagens mais importantes da festa, além de Dalto e de Antônio Pedro Nunes, foi responsável por colocar ao lado de velhos lobos dos palcos – como Os Montanari e Cavalinho Branco (as mais experientes da Oktoberfest, indelévelmente) verdadeiros expoentes da volksmusik, como era o caso das imortais bandas Helmuth Högl Band, Nüsslberg Buam e Kapelle Götz Buam, esta última do folclórico maestro Zigi.

O homem e suas histórias: o trabalho de Fred Ullrich foi essencial para, especialmente, o contato com algumas das principais bandas alemãs que vieram a Oktoberfest (Fred VDA)

Falo de Fred Ullrich, incentivador da musica e cultura alemã no Vale do Itajaí e que, com seu papel de incentivo e seu trabalho junto as linhas aéreas Lufthansa, facilitou e muito o chamamento desta turma de imortais aos palcos, em histórias até hoje recordadas por ele em vários momentos no seu Facebook (Fred VDA).

Uma delas foi o épico LP “Geht no Oana?” de Helmut Hogl, gravado em 1986 especialmente para venda na festa. Não é um disco gravado em Blumenau, mas o registro de um show do maestro na Alemanha e que valeu um sucesso inesperado de vendagens durante a festa.

Fred continua atuante até hoje, e quem quer sentir seu conhecimento nas coisas da Alemanha – sobretudo a musica – basta virar o dial nos 96.5 da União FM com seus programas matinais Hallo Freunde (domingo a domingo) e Europa Musical (domingos pela manhã).


Os famosos na festa

A rainha de 1985, Iracema Hiching, sob os olhares do saudoso humorista Paulo Silvino. Os famosos deram seu cartaz à festa, contribuindo para a projeção nacional da Oktoberfest (Antigamente em Blumenau)

Foi por volta de 1985 que começaram a surgir entre os foliões aqueles ditos famosos da televisão. Naquela oportunidade, atores como Grande Otelo e Edwin Luigi e o jornalista Celso Freitas estiveram pelos corredores da festa, já tornada um evento de renome nacional.

E não é raro que eles apareçam de todas as formas. Já tivemos quadro do “Pânico na TV” gravado nos desfiles, estrelas do futebol, da TV, da política e donde mais surgir ideia aparecendo nos camarotes e entre os foliões. Quanto a presidentes, o primeiro (e até agora, único) a pisar na festa foi Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, numa visita que fez o desfile alegórico em que iria aparecer superlotar a Rua XV.

Em 2019 não deve ser diferente. Presidente não vem, mas vai que você esteja pulando diante ao palco com um “global” do seu lado? Nunca se sabe.

 

 

 

 

 

 


Halo Blumenau, não foi a primeira para a Oktoberfest

Se alguém te disser que o épico hino extra-oficial da festa foi a primeira canção dedicada a Oktoberfest estará cometendo um erro. Ainda falando em 1987, a Nusslberg Buam trouxe no seu bojo a canção intitulada “Gruss na Blumenau”, que seria a primeira falando da cidade cantada por uma banda da Alemanha.

A Nusslberg Buam, esta sim a autora da primeira musica em homenagem a Oktoberfest. No entanto, o registro de “Gruss na Blumenau” é um verdadeiro mistério (Angelia Wittmann)

Infelizmente, não há registro desta musica disponível em nenhum lugar da internet. Em 1989, Helmuth Hogl trouxe consigo a inesquecível “Halo Blumenau”, composta com a contribuição de sua mulher, Sunir, e de seu filho, Michael. E hoje não passa uma Oktober sem que este hino épico, de pouco mais de 1min30, seja executado.


A eterna polêmica das “musicas não-alemãs”

Falando em musica, em 1988 e 1989 começou a ser levantada entre os músicos que alegravam a festa aquela polêmica que continua, por entre esquinas, muito atual: afinal, qual o limite de musicas não-alemãs que podem ser executadas?

A regra oficial pede, no repertório, que mais da metade do repertório tenha musicas germânicas, mas nos primeiros anos não se tinha um parâmetro bem definido, sobretudo para as bandas alemãs convidadas. Helmut Hogl era aquele que não ligada para o que estava no livrinho e tocava o que vinha nas paradas, tanto que o “Hilariê” da Xuxa estava no seu repertório em 1988, e detratores da ideia torciam o nariz.

O sorridente Helmuth Hogl (de branco) era um dos que davam de ombros para as regras de musicas tipicas nos pavilhões, algo que, de alguma forma, enervava os músicos de Blumenau, que denunciavam a “discriminação” entre as bandas alemães e as da cidade com relação ao controle nos repertórios (Arquivo Histórico)

Em 1989, a coisa foi mais longe, com queixas de bandas da cidade reclamando de discriminação diante dos grupos alemães. O caso mais polêmico foi da Banda Cavalinho Branco, com o seu fundador, o histórico Rikobert Doring, o Rigo, reclamando da proibição da canção “Show do Xuxo”, também da Xuxa, vetada do seu repertório.

E não era mentira de fato, as bandas alemãs pintavam o sete e não se importavam com a regra. Durante os anos – com o advento também do “chucrute music” da Vox 3 em 1998 – a coisa mudou bastante, o respeito a regra existe mesmo com suas bem-vindas exceções, como a banda California Repercussions em 2003, trazendo Rock, Blues e Jazz aos palcos da festa e outros exemplos, mas o debate ainda persiste, e vai quem dia a bomba estoura de novo…


O flagelo no meio da festa

Chuva e Oktoberfest sempre foram meio que “parceiros inseparáveis”, embora uma não querendo a presença da outra exatamente falando. Não raro, a programação da festa e seus bastidores foram influenciados pelo tempo, seja os desfiles cancelados ou adiados aos pavilhões ou as enchentes pequenas que aconteciam no meio da festa.

No entanto, em 1990, uma tragédia sem precedentes pegou de surpresa a organização da Oktoberfest e uma cidade inteira ainda inebriada pelo chopp. Uma enxurrada violenta atingiu regiões altas das ruas Da Gloria, Belo Horizonte e Ruy Barbosa, no Garcia. 20 mortos e os prejuízos das famílias assustavam em meio as festividades. A causa, segundo estudos, teria sindo o rompimento de um açude somada as fortes chuvas daquele sábado.

A calamidade no último fim de semana: Durante a Oktoberfest de 1990, uma forte enxurrada atinge o Garcia, sobretudo nas ruas Belo Horizonte e Ruy Barbosa. 20 mortos, centenas de desabrigados, questionamentos e a comoção que levou a um show especial no domingo seguinte (Marcelo Frotscher)

Nos bastidores, os lucros da festa daquele ano foram destinados aos flagelados e a reconstrução de casas e das vias. Já na tarde do último domingo da festa, as bandas alemãs Helmuth Högl, Nüsslberg Buam e Fidelle Odenwalder fizeram um show beneficente, revertendo o valor das entradas para os flagelados.

A magnitude da tragédia foi abordada de forma impressionante pela então acadêmica de jornalismo Sonia Bridi, hoje uma das mais respeitadas jornalistas do país, como seu trabalho final na graduação:

(Angelina Wittmann / JSC)

Freddy Quinn e a Oktober “paralela”

O “Oktober Zeitung” anuncia: Freddy Quinn esta pronto para o show. Entretanto,a “Oktoberfest dos Bons Tempos” fora uma festa paralela com o tom do descontentamento dos antigos com certos detalhes até hoje incertos sobre os rumos da grande festa (Angelina Wittmann / JSC)

Falando do que foi a loucura de 1992, no ano seguinte, a bronca pela qualidade da festa e pela perda de elementos (que nunca eram bem explicados) acabou sendo o mote principal para que o Celeiro do Vale, tradicional centro de comércio no Salto do Norte, desafiasse a então poderosa estrutura de PROEB e realizasse sua festa paralela, intitulada então de “Oktoberfest dos Bons Tempos”.

A ideia de uma festa mais presa as tradições e chopp mais barato deram uma boa repercussão a festa, mas para os puritanos o ponto alto foi a vinda de um dos nomes mais celebrados da canção alemã: Freddy Quinn, que mesmo cheio das exigências (como conta Fred Ullrich), fez uma apresentação impecável, despertando lembranças nos ditos tradicionalistas.

Para tanto, a ideia não vingou no ano seguinte e o Celeiro do Vale, assim como a iniciativa rebelde, desapareceu no correr dos anos 1990.

 

 

 

 

 

 


Rock no chopp (Skol Rock)

E em se falando de eventos paralelos durante a Oktoberfest, entre 1994 e 1996, a Prainha (Praça Juscelino Kubitscheck) foi palco do espaço mais jovem e descolado da cidade. Por iniciativa da Diretoria de Assuntos para a Juventude, aconteceu por lá o Skol Rock, festival que quebrou paradigmas musicais e comportamentais da cidade e que foi uma saudável presença ao lado da grande festa na PROEB.

A multidão na Prainha em 1995: o Skol Rock quebrou o velho paradigma de que Rock não colava em Blumenau trazendo grandes nomes da cena nacional para a cidade. E o detalhe: tudo isso durante a Oktoberfest (Caio Santos)

Além da cena local do Rock, o festival trouxe ao palco blumenauense grandes nomes das guitarras brasileiras, como Barão Vermelho, Capital Inicial, Biquini Cavadão, Paralamas do Sucesso, Ira!, Kid Abelha, Raimundos, Titãs, Lobão, Ultraje a Rigor, Leoni, Nenhum de Nós, além de registrar um dos maiores públicos dos Mamonas Assassinas nas sua breve carreira, em 1995.

Eram dias da loucura no Centro e a Prainha era o cenário da garotada da época que curtia o bom Rock pela manhã sem perder o tino para o chopp nas noites de Oktoberfest. Grande parte da história deste festival está no livro “Skol Rock – O Festival que Você Não Viu”, do jornalista Fabrício Wolff, e que ainda se encontra disponível nas livrarias de Blumenau.


Michael Lochner e a debandada da Die Odenwalder (1995)

Não basta fazer apenas musica e festa, a vida de artista faz sentir as coisas com tamanha intensidade que, por vezes, decisões radicais acabam caindo na planilha de prioridades de uma vida. Foi assim com alguns dos integrantes da Die Odenwalder em 1995, especialmente seu vocalista, o carismático Michael Lochner, que naquele ano avisa em alto em bom som sua saída da banda para ficar em Blumenau.

Os tempos áureos da Die Odenwalder. Michael Lochner é o de cabelos compridos e violão, abaixo. Ele e mais alguns dos integrantes da banda não voltariam para a Alemanha, escolhendo fixar nova vida – pessoal e na música – em Blumenau (Angelina Wittmann)

Lochner é, talvez, um dos nomes mais importantes da musica germânica em Blumenau durante os anos 1990. Sua experiência trazida da Alemanha foi responsável por, já em 1996, começar uma verdadeira revolução dentro da tradicional Banda Cavalinho Branco, ou simplesmente Banda Cavalinho, como passou a ser simpaticamente conhecida.

Junto da Vox 3, a Cavalinho incorporou o “chucrute music” por completo, trazendo uma nova sonoridade e uma nova forma de brincar com as letras, criando versões humoradas de sucessos da volksmusik. Hoje, Michael empresta sua voz a ainda novata Herr Schmitt, com a mesma excelência dos tempos da Die Odenwalder. Antes da saída, no entanto, ficou ainda no registro o sucesso de “Hey Brazil”, de 1995.


A Centopéia em Munique

Já referencia nos desfiles, fruto da saudável loucura de Nerino Furlán, a Centopéia do Chopp teria um dia de sonho há 21 anos atrás. Junto do Grupo Folclórico Alpino Germânico, de Pomerode, o mais carismático dos brinquedos do hoje Planeta Péia embarcava para a Alemanha, para talvez a sua mais fantástica aventura: o desfile da Oktoberfest de Munique. E tudo isso bem antes da aventura da Locopéia por Nova York.

Como recorda Fred Ullrich (sempre ele!), as negociações não foram fáceis, entretanto a administração da maior festa de cerveja do mundo, resolveu abrir uma exceção para os dois grupos. A logística do transporte das bicicletas da Centopeia exigiu muito esforço. De Blumenau a Guarulhos por via terrestre para, depois, seguirem num MD11 da Swissair até Zurique e, de lá, para Munique.

Os detalhes da grande jornada da Centopéia, do JSC anunciando a ida a imagem direto de Munique, pronta para tomar as ruas da principal cidade da Baviera (JSC | Famíla Zimmer)

Eram pontualmente 9h quando o desfile começou, numa trajeto de 7 Km para a Theresienwiese, o local do evento, recebendo todos os aplausos dos curiosos alemães que puderam sentir um gostinho do que era a alegria que Nerino e seu fantástico brinquedo mostravam em Blumenau.

E nem é preciso contar muito, já que naqueles idos, Fred preparou um especial para a TV Galega, contando da odisseia dos brasileiros na irmã maior alemã. Só dar o play abaixo:

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