Ao Santa: Adeuses, mudanças e história

Primeira capa: setembro de 1971. Dali em diante, o grande registro dos grandes momentos de Blumenau e do Vale AHJFS)

Acabou, fim da linha, livro fechado, história contada, é isso ai.

Parece radical falar tantas citações referentes a algo derradeiro, mas a sensação que fica no ar, mesmo que tantas vezes prevista nas bocas pequenas de conversa, é de uma despedida. A conta é longa, 48 anos e 14.841 edições até o anuncio que, se já era visto no horizonte, muitos até queriam que ele não chegasse: O outrora glorioso Jornal de Santa Catarina, para os íntimos da notícia o “Santa” deixa sua vida de impresso diário para tornar-se um semanário em forma de revista.

E quando diz-se que a pedra era cantada há tempos não era nenhuma mentira ou exagero. O desmantelamento e encolhimento da estrutura era visto a olho nu e sentido a cada anuncio de demissões. a cinzenta quarta-feira, 16 de outubro de 2019, foi mais uma desta. Mais 20 jornalistas, entre caras novatas e gente tarimbada, estará ou em busca de novos rumos em voo solo ou em busca de uma nova casa que lhes dê guarida na notícia. E poucos lá ficam para a nova missão sabendo que estarão, de alguma forma, mantendo um nome que não significa só “notícia”, mas também história, registro, presença, opinião.

O JSC era o continuador de histórias escritas no século XX que, outrora, tinha em nomes como os clássicos Der Urwaldsbote, Blumenauer Zeitung e Immigrant ou em recentes como Lume, A Cidade e A Nação os referenciais da notícia fresca e direta em todo lugar, seja no café da manhã ou na fila do barbeiro. Nasceu gigante e as intenções eram gigantes. Era 11 de setembro de 1971 quando a capa anunciava que “dia 22 todo o estado estará lendo o jornal da integração”.

A Fábrica de Chapéus Nelsa, primeira sede do JSC na década de 1970 até meados dos anos 1990. Dali, o movimento diário das maquinas e veículos responsáveis por levar a todo o estado a imagem dele mesmo nas páginas da notícia (Antigamente em Blumenau)

A palavra de ordem naqueles idos era, de fato, “integrar”, fazer Santa Catarina se conhecer e reconhecer nas páginas de um grande jornal como já o fazia a TV Coligadas, sua primeira guarida, desde 1969. O primeiro lar, o elegante prédio da antiga Fábrica de Chapeus Nelsa, na Rua São Paulo, primeiro berço de notícias e histórias fabulosas de fatos e jornalistas lá passados.

E nos planos, o Santa era gigante. Viventes naqueles tempos primários ainda recordam o tec-tec frenético das máquinas de escrever na redação, o barulho ensurdecedor dos equipamentos de telefoto, as rotativas off-set pioneiras no estado que dia a dia imprimiam uma nova leva de notícias. E, depois, o barulho dos furgões com fardos e fardos dos enormes tablóides que seguiriam seu rumo para todos os rincões catarinenses. Do norte ao sul, do litoral ao planalto e o oeste, todos liam-se nas páginas do Santa.

E mais do que um prédio elegante, a antiga Fábrica de Chapeus Nelsa também era escola para tantos que lá escreveram linhas e linhas de notícias, colunas, opiniões, fatos. Muitos professores que correram centros acadêmicos ou seguiram carreira solo estiveram por aqueles corredores, assistiram com suas objetivas e canetas as grandes memórias de uma Blumenau e de um Vale ainda diminutos porém pujantes, se esquivando de enchentes violentas ou vibrando em festas ou esportes.

Alias, que momentos. O Santa é o highlander de um Vale cheio de lances e nuances que valeram de prêmios Esso à capas inesquecíveis. No campo das premiações, a recordação de Luiz Antônio Soares e a saga da Ponte Lauro Muller (Ponte do Salto) que colocaram um troféu de grande destaque na prateleira da velha redação. Já nas tragédias, o impacto de frases como “O Vale pede socorro”, “Blumenau está arrasada” e outras durante a calamidade de 1983. Nas Oktoberfest que assitiu, tinha no “Oktober Zeitung” o Santo Graal do friz e frida perdidos, nas eleições, todos os numeros possíveis, na vida de tantos, a presença sagrada para leitura, senso crítico e informação tão sagradas quanto o café quente na mesa.

O tombo da Ponte Lauro Muller (Ponte do Salto), uma campanha de restauro responsável por um especial Prêmio Esso. Fruto do trabalho do lendário Luiz Antônio Soares nos corredores do Santa (abaixo) (Angelina Wittmann)

O impacto de uma manchete: Em 1983, a frase marcante pedindo socorro pelo Vale (Reprodução)

Mas os tempos, como o filósofo do botequm diz sempre, “são outros”. A internet mina o papel e grandes nomes das rotativas há muito estão sepultados, vivendo entre cabos da internet. O Santa estava sendo desmontado, os boatos rolavam tanto sobre ele quanto sobre seus co-irmãos de grupo: A Notícias e Diário Catarinense. A cada nova leva de demissões, o temor do fim, a tristeza por menos mercado para o jornalista e aquelas afirmativas misturadas com raiva do tipo “ok, por que não fechar de uma vez?”

E isto não pela qualidade do material, jamais! O malabarismo e atenção ao cotidiano dos jornalistas que lá ainda seguravam a bandeira era de encher os olhos. Equipe reduzida, recursos reduzidos mas muita vontade de fazer a hora e honrar o bom nome do periódico eram quase parte da rotina. Quando o carro deixava a então redação “quase improvisada” no prédio da NSC Blumenau, era uma notícia sendo preparada, uma reportagem sendo aquecida, outro registro para a história do Vale que estaria impresso no Santa no dia seguinte.

A pequena coleção do Santa de A BOINA. Recortes milimétricos e preciosos da história de uma cidade e de um estado que, muitas vezes, carecem de documentos e registros. O mais claro exemplo de história preservada por meio da imprensa (Arquivo Pessoal)

E o dia foi chegando, chegando até chegar de vez. O fim da edição diária até parece depor contra os tempos da comunicação que pedem cada vez mais a regionalização dos meios, o que proporciona nesse vácuo o surgimento de veículos menores mas decididos a serem o espelho de uma região cada vez mais carente de um grande veículo que lhe dê mais atenção. A decisão, notadamente, vem do alto e segue números contábeis, que pouco explicam a necessidade de uma informação cada vez mais local e direta, mas que no fim fazem toda esta engrenagem girar com a verba que deles vem.

Os áureos tempos da imprensa que falava por jornais, em linguagens bem diferentes. A evolução e mudança dos meios, somada aos números da contabilidade, fazem rumos serem mudados. O Santa é mais um na ciranda derradeira do papel impresso diário que tem feito “vitimas” pelo Brasil (AHJFS)

Sendo assim, chegamos na quarta cinzenta que determinou o fim de uma história. O Santa, assim como seus co-irmãos, passa de diário a uma espécie de revista semanal para os fins de semana, dando fortalecimento a um site central de notícias. O brilho da noticia do dia a dia perde-se um pouco diante da necessária modernidade. Mas se isso é o “moderno”, então o “moderno” é apagar a regionalidade da notícia em nome de numeros? Se a resposta é sim, talvez deva demorar um pouco para saber se os efeitos serão mesmo os ideais, os esperados, quem manda deve saber o que faz mesmo rasgando as lições dos corredores acadêmicos.

E nesta ciranda, a história e suas nuances leva consigo o Jornal de Santa Catarina para os anais. A reverencia de tantos que serviram a ele, se informaram com ele ou se inspiraram nele para seguirem na labuta é eterna e sem tamanho mensurado. Só grandes nomes da notícia merecem as palmas e o reconhecimento pelo serviço prestado em nome do jornalismo do Vale e suas empreitadas. E o Jornal de Santa Catarina, do alto de seus 48 anos e mais de 14 mil edições, as merece independente de qualquer tropeço. É um valente, vitima dos tempos e dos numeros, mas ainda assim um venerável valente das rotativas.

Quando a última edição sair das prensas de Florianópolis para o dia 28 de outubro (previsto), a tenham em mãos como um troféu, um pedaço de história. Ai estará sendo lido e estará saindo de cena o outrora jornal da integração, o primeiro off-set do estado, o valente Jornal de Santa Catarina, que descansa mesmo a contra-gosto de seus leitores e jornalistas, que chega ao fim sem ser esquecido. E só quem fez e contou história merece tal honraria.

Que a nova empreitada como revista seja feliz, tão feliz quanto quatro décadas em papel-jornal diante das grandes notícias do Vale saídas de uma fábrica de chapéus.

Obrigado, Santa!

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