Confederados em São Paulo: A Guerra Civil Americana na história do Brasil

O que a sangrenta e histórica Guerra Civil Americana tem a ver com o Brasil? Ao primeiro olhar, nenhuma relação aparente. No entanto, ao pesquisar-se mais a fundo sobre o fato registra-se muita coisa, grande parte nem mesmo conhecida, seja aqui ou na Terra do Tio Sam. O sudeste e parte do sul, nordeste e norte brasileiro assistiram, em meados do fim dos anos 1860, uma vinda considerável de americanos, o único movimento migratório de americanos para outro país. Famílias que fugiam da devastação do conflito e encontravam no ainda jovem império uma chance para recomeçar.

A Guerra de Secessão foi o conflito foi o que mais matou americanos em toda a história, cerca de 720 mil soldados e um sem-número de civis. O combate começou pra valer em 1861, quando os estados do sul dos Estados Unidos decidiram pela independência do norte por conta das diferenças econômicas de cada lado: A indústria contra o latifúndio, trocando em miudos.

Norte industrial X Sul latifundiário

Mapa da divisão dos EUA em 1861. Em azul, os estados do norte (União), em amarelo, os estados da união que ainda permitiam o trabalho escravo. Em vermelho/vermelho claro, os estados confederados e, em cinza, outros territórios americanos ainda não explorados (Reprodução)

O norte estadunidense era o puxador principal da economia do país, industrializado quase que por completo e abandonando paulatinamente a mão de obra escrava, coisa que o sul não havia ainda deixado de lado. O modo de colonização de cada lado fora bem diferente, enquanto de um lado o modelo de ocupação permitia os colonos se estabelecerem como grandes comunidades, o sul seguia o modelo que o Brasil também seguira nos tempos das capitanias. Grandes propriedades dedicadas a monocultura, uso dos escravos na lavoura e dependência de manufaturados importados.

Não estando a fim de largar este meio de vida, somando-se ao nacionalismo exacerbado, a divergência do sul pelo norte progressista foi aumentando gradativamente até chegar a esfera política. O estopim maior foi, justamente, a eleição do republicano Abraham Lincoln para a presidência americana. Lincoln era declaradamente contra a escravidão e propunha-se a fazer a libertação dos escravos cativos do sul. Foi a gota d’água que faltava, o sul resolveu seguir o próprio caminho e se reuniu em uma espécie de confederação, os Estados Confederados da América, sob a presidência de Jefferson Davis.

As faces do poder durante o conflito. A direita, Abraham Lincoln, da união, e um dos maiores estadistas americanos. A esquerda, Jefferson Davis, governante do lado confederado, Eleição de Lincoln, abolicionista e republicano, foi o estopim do conflito que durou até 1865 (Reprodução)

A guerra estourou, enfim, em 1861, no ataque sulista ao Forte Sumter. A União (estados do norte) foi a luta e levou enorme vantagem no campo de batalha. A industrialização provou ser fator determinante para a vitória já que os regimentos eram munidos de armas modernas, como canhões de longo alcance e submarinos. Já o sul contou mesmo foi com as cavalarias e a valentia dos próprios combatentes, como o famoso general Robert E. Lee, que conseguia livrar alguns embates a favor dos sulistas.

Em 1864, já era visível o domínio do norte no campo de batalha e a vitória, tão sonhada, veio no verão de 1865, com a rendição das tropas do general Lee na Campanha de Appomattox. Imortalizado como grande líder em um momento de crise como este, Abraham Lincoln não sobreviveria para colher os frutos da vitória, sendo assassinado no mesmo ano por um ator e simpatizante confederado – John Wilkes Booth – seis dias antes do fim da guerra, no Teatro Ford, em Washington.

Pintura da Batalha de Gettysburg, uma das mais mais sangrentas e importantes da Guerra Civil (Reprodução)Uma nova chance no Brasil

O Coronel Norris. A colônia montada por ele foi uma das mais prósperas do país. Responsável por ensinar aos sitiantes do local técnicas de plantio do algodão e de outras culturas (Reprodução)

Feridos, combalidos e com a vida destruída depois da guerra, muitos americanos dos estados sulistas não tinham outra alternativa, em muitos casos, do que sair do país e procurar guarida em outras terras. Foi assim que a busca de uma nova Nova Inglaterra e os interesses brasileiros se encontraram. Habilidosos produtores de algodão, os americanos do sul foram beneficiados pelas facilidades que o imperador Dom Pedro II para acolher plantadores do produto no país.

Dom Pedro tinha a intenção de aumentar a participação do Brasil no mercado internacional do algodão e a ocasião do êxodo dos americanos do sul (o maior daquele país) foi a saída. Os sulistas eram os maiores produtores de algodão do mundo, exportando o produto e teares para países como Inglaterra e França. A imigração já era discutida desde antes do fim da guerra, porém sempre proibida e rechaçada pelo então general confederado Robert E. Lee. Uma das vantagens é que o Brasil ainda mantinha o trabalho escravo, que seria extinto apenas em 1888, com a Lei Áurea.

Não se sabe, ao certo, qual o número oficial de imigrantes americanos que deixaram o sul estadunidense e se estabeleceram no Brasil, mas circula-se entre 4 e 20 mil confederados. No entanto, os primeiros esforços tiveram uma série de problemas relacionados a adaptação da lavoura de algodão em certos tipos de solo, doenças tropicais, dificuldade da viagem e o isolamento.

A iniciativa do imperador estava fadada ao fracasso, exceto pela iniciativa do ex-Coronel William Hutchinson Norris, que implantara um ótimo núcleo de colonização próximo a Campinas, no estado de São Paulo. Santarém, no Pará, também recebeu grande leva de imigrantes americanos.

Santa Barbara d’Oeste e Americana: As heranças

A Villa Americana em 1906, embrião do que viria a ser a cidade de Americana, em SP (Reprodução)

A grande parte da herança da imigração dos refugiados americanos sulistas ficou mesmo em São Paulo, concentrando-se em dois municípios do interior paulista: Santa Barbara d’OesteAmericana. Estas, sem dúvidas, foram as colônias americanas que melhor prosperaram, sobretudo na agricultura e no cultivo do precioso e alvo algodão.

A maior responsabilidade por esta próspera vida dos americanos em São Paulo deveu-se muito ao Coronel Norris. Ao chegar nas terras, passou a ministrar aulas de agricultura para os fazendeiros das redondezas, interessados em entrar na cultura do algodão e aprender novas técnicas agrícolas. A escola foi um grande sucesso e, só com o ensino, Norris conseguiu 5 mil dólares de renda. O resto da numerosa família viria para o Brasil apenas em 1867.

Museu da Imigração, em Santa Barbara d’Oeste (Divulgação)

O comércio bem mantido, sobretudo com a instalação da Estação de Santa Barbara pela Companhia Paulista de Estrada de Ferro, fez a região daquela cidade e do local chamado de Villa dos Americanos ou Villa Americana prosperar significativamente. Junto de Santa Barbara, os americanos estavam ajudando a construir um novo município, a vizinha cidade de Americana.

As raízes ficaram e, até os dias de hoje, são retrato vivo da presença dos ex-confederados na região. Dois lugares em especial são muito representativos desta presença estadunidense no Brasil: O Museu da Imigração e o Cemitério do Campo, ambos administrados pela Fraternidade de Descendência Americana, fundada em 1954 e, ambos, localizados em Santa Barbara.

O ex-presidente americano Jimmy Carter (de preto), em visita ao Cemitério do Campo em 1972, quando ainda era governador do estado americano da Georgia, uma dos estados remanescentes da Confederação (Fraternidade de Descendência Americana)

No museu, instalado na antiga Casa da Câmara e Cadeia do município, está guardado um riquíssimo acervo que conta muito sobre o movimento migratório americano na região, como fotos, livros, documentos, jornais, revistas, indumentária, objetos do lar, material bélico e tantos mais. Já o cemitério nasceu da necessidade das próprias famílias confederadas, que encontraram nas terras do Coronel Asa Thompson Oliver um local para enterrar os entes queridos falecidos, já que os cemitérios da região não aceitavam o enterro de protestantes. O ex-presidente Jimmy Carter, então governador do estado da Georgia, visitou a região em 1972. Vale lembrar que a Geórgia é um dos estados remanescentes da Confederação.

Veja como foi a Festa Confederada de 2019:

O campo é mantido pela Fraternidade, entre outras formas, por meio de uma interessante celebração, a Festa Confederadaa única festa do mundo celebrada em um cemitério. A reunião é a maior expressão dos descendentes americanos no Brasil e, talvez, a única representação da Guerra Civil em trajes e costumes do país, costume muito repetido nos EUA. Dança, comida típica, costumes e trajes são grande destaque, transportando descendentes e participantes para um tempo longínquo na história da Terra do Tio Sam. Na cultura brasileira em si, são vários os exemplos de personalidades com origem americana. A rainha do Rock, Rita Lee e os humoristas Tata Werneck e Gregório Duvivier são alguns exemplos desta presença em nosso meio tupiniquim.

A “rainha do Rock” brasileiro, Rita Lee. Um exemplo dos descendentes americanos mais famosos do país (Marco Senche)

Os americanos são apenas uma das tantas partes dos povos que, há muitos anos, emigraram para a parte de baixo da América em busca de um novo começo e de prosperidade e trabalho em um país ainda jovem. Assim como alemães, italianos, japoneses e tantos outros, também é dos estadunidenses, dos confederados em busca de recomeço, uma pagina importante na construção do povo e do história do Brasil.

3 comentários em “Confederados em São Paulo: A Guerra Civil Americana na história do Brasil”

  1. Ótima análise. Vim aqui procurando informações mais detalhadas sobre o tema pois assisti uma aula onde o professor “direcionou” o conteúdo, sugerindo que D. Pedro havia “trazido confederados para o Brasil por ser contra a abolição”. Como nunca tinha ouvido falar sobre isso desconfiei e quis investigar. Sua postagem deixou claro que o interesse era meramente técnico. Obrigado.

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