Orra, Rita!

Eram os últimos três minutos de 30 de setembro de 2013. O operador no switcher larga o último som. Um bando de doidos, em casa espaço do legendário Edifício Victor Civita, no Sumaré, gritava, pulava, chorava e arregaçava as gargantas num grito de despedida: era o fim da seminal MTV Brasil como a conhecemos.

Os versos da canção corriam ferozmente daquele prédio para cada TV de um ex-jovem de outros tempos, entre sorrisos e lágrimas. Quase como uma certeza de fim de ciclo, forçado e rasgado, rompendo a adolescência edificada a base de clipes, momentos, legendas nacionais e internacionais: “eu tô ficando velho, cada vez mais doido varrido…”

Talvez e caprichosamente, quis o destino que duas mulheres cerrassem as portas da MTV naquele dia: Astrid Fontenelle, a primeira cara da emissora no distante 1990, e a Tia Rita. Assim mesmo, “tia”, com carinho, bem como eu a conheci musicalmente, em som e persona, quando de minha estada em Timbó, há uns cinco, seis anos atrás.

A Tia Rita, legitima doida varrida que o Brasil amava ouvir, que nenhuma crônica, livro, pesquisa, análise conseguirá definir que grau de furacão foi quando passou por esse país tão feito em água parada vez em sempre. Naquele meio “de rapazes”, o Rock brasileiro, fugiu da “cara de bandido”, deu uma doçura apimentada, uma loucura viciante de letra em letra.

Nunca vi ela colocar o dedo em riste, mas era capaz de convulsionar os colarinhos-brancos dessa nação com tranquilidade verbal. Falava na lata, a gente ouvia sorrindo, se era frase de amor profundo ou a sutil critica ao modus-operandi do falso conservadorismo de vida.

Tia Rita era uma pancada necessária, a letra que ninguém pensava, a atitude que ninguém tomava. Quando os Mutantes ficaram “pequenos” pra ela, lá se jogou na estrada sozinha e foi mais revolucionaria até do que seus ex-companheiros de esquadra. Caiu nas graças do amor e “teleguiou pela paixonite” o eterno parceiro Roberto de Carvalho, a base que a transbordava no som, na vida, nas curvas, entradas e bandeiras pelo cancioneiro nacional.

Dizer que era “questão de tempo” sua partida talvez fosse corroborar a lógica cotidiana e a certeza da morte que qualquer um de nós tem. Mas a gente sempre achou que a Tia Rita ia ficar um tempinho mais surpreendendo a gente, chocando e emocionando a gente com seus trejeitos ousados. Mas apesar de todas as certezas – sobretudo na peleia contra o câncer – a gente “não estava preparado pra realidade da vida”, como dizia Nilton Santos.

E ai, o choque. A comoção geral, a avalanche e os “porquês” de tão cedo para nós, que queríamos um pouco mais dela. Só que ela nunca foi de muito papo, o negócio é farra e a turma lá de cima, com suas legendas já passadas por esse país e seu Rock, já estavam gritando no inconsciente que “agora, só falta você”. Ela foi, a gente derramou as lágrimas justas de saudade e gratidão, reverenciou cada som seu, páginas de gerações e gerações construídas no seio da Tia Rita.

E essa partida, esse cerrar de cortinas da Tia Rita, não me deu outra faixa para ouvir em repeat senão esta que, igualmente, cerrou a minha geração primeira de música nas ondas televisivas da Music Television tupiniquim. E que se faça em altos volumes, rasgando a caixa de som, pra que essa despedida não seja só saudade, mas gratidão e farra (farraaa!)

Douglas Sardo me falava, ainda no dia derradeiro, dos falados “três R do Rock nacional”, notadamente Roberto, Raul e Rita. E cada vez mais nosso Rock, aquele que sempre “teve cara de bandido” pra alguns, está saindo da vida e entrando para a história. A Tia Rita que o diga, onde quer que ela esteja balançando sua cabeleira ruiva, sentada largada e zoando a vida mundana.

E nós? ficamos aqui se permitindo a se divertir, se despir, se sentir… “guerrilheiro, forasteiro… orra, meu!”

Tchau, Tia Rita…

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