Som n’A BOINA #12: Fabrício Wolff e o que não vimos no Skol Rock (e agora, podemos saber!)

Barão Vermelho, Capital Inicial, Biquini Cavadão, Paralamas do Sucesso, Ira!, Kid Abelha, Raimundos, Titãs, Lobão, Ultraje a Rigor, Leoni, Nenhum de Nós e uns ainda em ascensão Mamonas Assassinas, entre tantos outros de igual calibre, Uma seleção de pesos-pesados assim reunido no meio dos anos 90 dava tranquilamente para um festival dos bons em uma grande cidade como São Paulo, Rio, seja na beira de uma praia ou num parque grandioso.

Mas, se você ainda é incrédulo disto tudo, acredite que esta seleção de nomes nobres do Pop/Rock nacional tocou, arrepiou, causou e extasiou plateias na provinciana e conservadora Blumenau, onde qualquer guitarra fora de uma bandinha podia ser considerada uma ofensa sumária à cultura do lugar. Duvida? Este festival existiu, marcou época e, de tanta história, virou livro que agora chega nas mãos de qualquer um que quer reviver aqueles dias ou, como eu e tantos outros, quer matar a curiosidade do que foi este momento único.

Das mãos do jornalista e amigo de A BOINA, Fabrício Wolff, nasceu no último mês o livro Skol Rock: O Festival que Você Não Viu (Os Bastidores), um compêndio precioso que guarda nas suas 160 páginas uma verdadeira volta no tempo para junto da Prainha (Praça Juscelino Kubitschek), na eferverscência do que foi o Skol Rock. Festival que quebrou um paradigma cultural na cidade e fez deste ponto do Vale de onde falamos uma espécie de Woodstock brasileira, como assim definia Frejat numa das passagens com o Barão Vermelho pelo evento.

Se você está sentado, prepare-se com um bom Rock nacional (ou até um som do Deep Purple, destacado pelo grande Douglas Sardo no último número) e vamos decifrar o que esconde este livro. Duvido que você não vai querer compra-lo depois de ler o que digo aqui…

Uma panorâmica do Skol Rock em 1995. O Festival que marcou uma geração e colocou a então cidade da Oktoberfest no roteiro de shows nacionais de Rock que faziam a cabeça da garotada brasileira e que só eram vistos pelos jovens blumenauenses na TV e ouvidos em rádio e LPs (Caio Santos)

Fruto de três meses de pesquisas e coleta de depoimentos, o livro cru nasceu em 2009, mas Wolff aguardou pacientemente até 2016, fazendo revisões e colhendo novos testemunhos, para o sonhado lançamento da obra. Algo que só foi possível em totalidade graças a uma iniciativa de crowdfunding (vaquinha online) que viabilizou os custeios da publicação. O aguardado lançamento foi em meados de março, com uma baita festa que movimentou o Ahoy Tavern Club, em Blumenau, regada a Rock e lembranças.

O criador: Jornalista, agitador cultural e amigo de A BOINA, Fabrício Wolff. Da obra crua de 2009 para um compêndio lançado este ano, contando até com uma caridosa vaquinha online para contribuir (Arquivo Pessoal)

Resumindo de forma simples, apenas para entrarmos no contexto, o Skol Rock nasceu em 1994, paralelamente a já consagrada Oktoberfest, e reuniu nos três anos de realização mais de 300 mil pessoas no saudoso point do bairro Ponta Aguda para tardes de muito Rock bem no centrão da cidade-jardim. Foram apenas três anos de festa, mas que marcaram a história da cidade e de seus jovens nos anos 90 como um dos grandes eventos daquela geração de blumenauenses e catarinenses de outros cantos do estado, praticamente apresentados pela primeira vez cara a cara com o que apenas ouviam nas rádios e LPs.

Pra começo de conversa, nada melhor do que uma história contada por quem viveu o fato, e melhor ainda se for para quem o concebeu e o fez acontecer. E não poderia haver pessoa mais bem habilitada para escrever esta obra do que Wolff. Não se trata de rasgação de seda, coisa nenhuma! Fabrício, um jovem com um pouco mais de cabelo naqueles tempos e cheio de ideias para agitar a juventude da cidade-jardim, era o cabeça no projeto de um grande festival de Rock em Blumenau, nascido da mente dele em 1993, quando era assessor de assuntos para a juventude da Prefeitura.

Personagem central dos fatos, Wolff literalmente esmiúça em riqueza de detalhes os bastidores (como o título do livro bem diz, obvio!) onde as decisões precisavam ser tomadas para o grande espetáculo acontecer: a resistência de setores do governo e da sociedade quanto a realização paralela a Oktoberfest, as criticas veladas contra a ideia de um evento de Rock, os contatos e contratos com as bandas e outros momentos que tornam impossível não sentir a mesma emoção sentida por ele ao reviver na escrita da obra.

O desenvolvimento simples e sem complicações permite que o leitor se insira dentro das lembranças de Wolff e imagine as situações em que o escritor passou para tornar real sua visão musical, nascida por ele e que o acompanhava para todo o lado numa modesta pastinha dentro do carro. Apresentada para os órgãos de turismo na prefeitura em 1994, a ideia do evento torceu o nariz de muita gente e gerou mais uma polêmica para a coleção particular dos blumenauenses: Como burlar conservadores e convencer receosos da ideia positiva do Festival?

A Praínha em 1994, no primeiro Skol Rock. Para desespero dos conservadores, os jovens de Blumenau e região tomavam conta da pequena praia para tardes de muito Rock e aventuras (Caio Santos)

Quem vive em Blumenau há algum tempo e/ou quem tem sede por conhecer a história de momentos marcantes da cidade, o livro entrega sem esquecer nada o relato de um acontecimento cujas informações eram baseadas apenas em arquivos de jornal e em poucos depoimentos de quem esteve lá, debaixo do sol ou chuva, pulando ao som do bom e velho Rock. É um registro da mais alta importância histórica que, a quem interessa este conhecimento, deve ser degustado e apreciado com calma e, de preferencia, sem piscar um segundo.

Um compêndio de parte da história do Rock nacional

Nos três anos, 111 bandas – entre nacionais já citadas e os grupos nascidos na cidade e em outros cantos do estado – estiveram no palco do Festival, numa pluralidade única de formas de compor e tocar Rock que desfilou pelos dias de evento. Foi a apoteose de uma geração nascida nos embalos roqueiros dos anos 80 e que, mesmo longe do boom da última década, ainda respirava os sons dos seus ídolos e até mesmo das bandas locais, já conhecidas em eventos menores e anteriores ao Skol Rock.

Mesmo nascido numa época onde o boom do Rock brasileiro já havia passado, o Skol Rock não foi algo cult. O frisson pelas grandes bandas lá presentes podia ser sentido no ar, especialmente por aqueles que nunca imaginaram ver as bandas favoritas a um palmo do nariz. (Caio Santos)

Esta mesma juventude que vivera o espetáculo, hoje, são senhores com família ou não, com experiência de vida e que encontraram (ou encontrarão) no livro um verdadeiro álbum de fotografias, sejam elas imagens ou de flashes mentais. É como voltar a viver aquele ambiente da cidade-jardim que ainda carregava traços provincianos dos anos 70 e 80 e que vivia uma ebulição jovem como há tempos não vivia ou nunca tinha vivido.

O indefectível Dinho e seu uniforme de trabalho a lá Robin no Skol Rock de 1995. A passagem dos Mamonas Assassinas pelo Festival toma um capítulo inteiro e surpreende pelos detalhes e por um lado dos garotos de Guarulhos pouco conhecido dos fãs (Reprodução / JSC)

A sensação dos ídolos ao alcance dos olhos, o extasio diante de um mundaréu de gente delirando nas melodias tão conhecidas como a palma da mão, sensações que qualquer saudoso daqueles tempos devem ter ao recordar pelas palavras de Wolff aqueles dias agitados. Até mesmo quem não viveu este tempo in loco se sente eletrizado com o ambiente contado pelo autor, sem nenhum exagero.

Mas, muito além de um registro de outros tempos de um Festival e da própria Blumenau, o livro pode, facilmente, ser considerado um registro importante para a história da música nacional. Quando o Skol Rock nasceu e viveu, o Brasil não vivia mais o já dito boom do Rock, embora as bandas que bateram ponto no Festival em escala nacional ainda causavam frisson e reverência aos adeptos do estilo.

Neste quesito, a obra vai além. Wolff traz ao leitor curiosidades e contos dos mais curiosos aos mais surpreendentes envolvendo as bandas nacionais, seja na contratação, na chegada e estada na cidade, no clima festivo e até mesmo nas eventuais – e normalíssimas – loucuras a lá Sessão da Tarde que os ilustres membros dos conjuntos protagonizavam. Tem de tudo, a conquista do contrato e as frescuras junto dos Paralamas, o extasio de Frejat, o inusitado transporte e as confusões no hotel da turma do Camisa de Venus, entre tantas outras.

No entanto, quem mais marca nas páginas do livro são os inesquecíveis garotos de Guarulhos, os Mamonas Assassinas. Ainda vivendo a ascensão tão perseguida pela banda, o grupo de Dinho e companhia foi a vedete do Skol Rock de 1995, vindo praticamente de surpresa, já que nem constava na lista de atrações.

É diante das aventuras da banda da Brasilia Amarela na cidade que Wolff entrega, talvez, a página mais incrível da história do Festival. Desde os detalhes da contratação, do show (o maior público do Mamonas na curta história da banda, segundo eles mesmos), os momentos de diversão e, claro, a triste notícia do fim em 1996, no desastre na Serra da Cantareira. É praticamente um capítulo inteiro do livro, merecido e fascinante para quem lembra deste momento e para quem sempre teve a curiosidade sobre a passagem dos Mamonas pela loura Blumenau.

(Abaixo, dois registros da banda Utópika no Skol Rock de 1994, registrados no canal de YouTube de Naldo Nogueira. Dois dos únicos registros em vídeo do Festival disponíveis na internet)

Uma obra altamente recomendada a quem curte o duo musica-história, especialmente o blumenauense que tem aquele dom saudosista e gosta de recordar momentos da vida da cidade-jardim. Mas, para quem ficou interessado, atenção: Você não vai encontrar o livro em livrarias! Até na hora do jabá Wolff foi criativo. Como se trata de uma produção que fala de música (e boa música, diga-se), a obra foi colocada a venda em três lojas de Blumenau especializadas, naturalmente, em música.

Portanto, se você ficou interessado em dissecar a história única do Skol Rock em Blumenau, pode procurar Skol Rock: O Festival que Você Não Viu (Os Bastidores) nas lojas Regimar Music Shop, Be Bop Discos e na filial da Brunetti Discos no Shopping Neumarkt a um módico preço de R$ 35. Valor justo pelo nível de conteúdo que você, certamente, terá prazer em ler.

Com esta dica supimpa de leitura, encerramos o SnaB desta sexta-feira, registrando aqui a gentil dedicatória dada por Wolff a este jornalista, muito afável por sinal e dada, também, da forma mais inusitada: Dentro de um banco no pleno correr de uma terça-feira.

Um grande abraço e até a próxima sexta em mais uma aventura no SnaB!

1 comentário em “Som n’A BOINA #12: Fabrício Wolff e o que não vimos no Skol Rock (e agora, podemos saber!)”

  1. André,
    Mais uma bela postagem falando sobre nossos festivais inesquecíveis. O Quão foi importante o Fabrício Wolff fazer estes registros históricos.
    Parabéns a ambos.
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau

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