Som n’A BOINA #21: Mario Zan, o imortal da festa junina

Você conhece Mário Giovanni Zandomeneghi? Se você nunca ouviu este nome na vida (ou está fingindo que não ouviu pra ver até onde esse nariz-de-cera vai chegar) saiba que ele manda e desmanda na quadrilha de São João desde o tempo que seu avô era o garanhão da madrugada.

No Brasil de ontem a hoje (e no futuro, naturalmente), não existe festa junina onde os acordes da sanfona deste sujeito estejam presentes. No carro de som anunciando um arraial, no ambiente da festa, na marcação da quadrilha, no bailão, na paquera. É musica para derrubar sertanejo universitário que ousa transformar a quermesse numa balada estúpida.

Então, hoje não tem como ser diferente. É Dia de São João em A BOINA, e o SnaB presta reverencia ao legítimo rei da sanfona: Mario Zan, o mito de todas as festas juninas, de ontem, de hoje e de sempre.

Panorama do centro de Roncade, no Vêneto, na Itália. Foi desta cidade, em 1920, que Mario Zan e seus pais saíram em busca de outra vida no Brasil daqueles idos (Reprodução)

Italiano de Roncade, uma comuna da região do Vêneto, Mario partiu ainda criança da Itália nas tantas levas de imigrantes que vieram em busca de esperança de melhores dias no Brasil da República Velha, mais precisamente em 1924. Fincaram raízes no interior do estado de São Paulo, na cidade de Santa Adélia, pertinho de Catanduva, onde a família recomeçou a vida interrompida na terra da bota.

A descoberta do acordeon foi quase que por acaso, quando seu pai comprara o instrumento para o irmão mais velho, Ítalo. No entanto, quem acabou se interessando pela sanfona foi o caçula Mário, que aos 10 anos já animava bailinhos de roça, chegando a ser rotulado como o moleque da sanfona.

O primeiro professor: Ângelo Reale, mentor de outros instrumentistas, como Caçulinha (Reprodução)

Com apenas 12 anos já dominava muito bem o instrumento e era a sensação do interior. Nesse meio-tempo, a família mudou-se para São Paulo, no Ipiranga. Aperfeiçoou a técnica junto de Ângelo Reale, compositor e acordeonista exímio que teve, entre seus alunos, o multi-instrumentista Caçulinha, ex-escudeiro musical do Domingão do Faustão. Dividia os estudos com Reale com o trabalho que tinha em uma fábrica de meias femininas e os testes nas emissoras radiofônicas da capital paulista.

Em São Paulo, começou a despontar animando bailes de clubes até meter a cara de vez e ganhar a primeira chance concreta no rádio. Começou pela antiga Rádio Educadora (atual Gazeta), passando depois pela Rádio Bandeirantesonde oficialmente abreviou o sobrenome para ficar mais audível aos ouvintes. A sugestão foi dada por Walter Forster, ainda rádio-ator da emissora e, mais tarde, o responsável pelo primeiro beijo da TV brasileira, junto de Vida Alves.

Logo, Mario Zan chegou aos microfones da Rádio Record, onde permaneceu por longos 33 anos depois. Neste período, dividindo casa com promissores talentos do mundo sertanejo (entre eles, Tonico & Tinoco), Zan escreveu de ver o nome entre os artistas que domavam o acordeon, encantando até um exigente apresentador de show de calouros radiofônico naqueles idos que atendia pelo nome de Ary Barroso, nada menos que o compositor de Aquerela do Brasil.

Ainda pelos anos 40, a grande sensação eram os divertimentos em cassinos, especialmente os do Rio de Janeiro, onde Mario Zan foi também tentar a vida e somar mais alguns trocados. A primeira chance que ganhou no meio foi de um certo Luiz Gonzaga, o ainda insipiente Rei do Baião que, alguns anos depois, assinalaria que Zan era, legitimamente, o Rei da Sanfona. Ele dera a Mario uma chance na boate carioca Samba Dance, substituindo-o na orquestra da casa.

Naturalmente, naqueles idos, o acordeonista se apresentava sentado no palco, até por causa do penso do instrumento. E foi entre testes e testes nos cassinos e boates cariocas que Mario Zan encontrou, no Cassino Atlântico, o diretor da casa e homem de teatro Ziembinski, um dos maiores expoentes dos palcos e da dramaturgia brasileiros. Ele simpatizou com o talento de Mario mas não admitia que ele tocasse sentado no palco. O deu 15 dias de tempo para treinar tocando em pé e foi o que Zan fez. Logo, era o acordeonista principal do Atlântico, tocando e encantando em pé diante da plateia.

Em 1944, Mario Zan gravou o primeiro de seus mais de 400 discos (entre 78 rpm e CDs), Continha neles as canções El Choclo, uma milonga argentina, e a valsa Namorados, de sua autoria. No entanto, a década acabou dando uma rasteira nele e em tantos outro artistas apoiados na febre dos cassinos: o então presidente Eurico Gaspar Dutra proíbe os jogos de azar e Zan, assim como outros tantos artistas, se veem sem sua principal fonte de renda.

O jeito foi excursionar em caravanas por circos, cidades turísticas, povoados interioranos, enfim, todo o lugar que tivesse uma plateia respeitável. Era nestas viagens que Mario conhecia novos ritmos e os incorporava a maneira brincalhona e sutil que floreava o teclado do acordeon.

Uma chalana cruzando o remanso do Rio Paraguai. Não é música só, foi numa embarcação parecida como esta que Mario Zan criou um dos maiores clássicos do sertanejo (Reprodução)

Em uma dessas viagens, hospedado num modesto hotel a beira do Rio Paraguai, em Corumbá (antigamente, ainda cidade do estado do Mato Grosso, hoje município do Mato Grosso do Sul), Zan se deparou com as embarcações que trafegavam pelo rio, as chamadas chalanas, tão importantes para o transporte de passageiros das proximidades. Foi ali que nascia pelas suas mãos – com letra de Arlindo Pinto – um dos clássicos da música sertaneja: a imortal Chalana, em 1940. Canção que percorreria, com o passar dos anos, os cancioneiros de gente como Sergio Reis, Almir Sater, Roberta Miranda e tantos outros.

Depois de algum tempo, outra vez Gonzagão cruzou seu caminho afortunadamente. Retornando aos estúdios musicais para gravar suas composições, Zan foi chamado pela RCA em 1946, onde substituiria o amigo sanfoneiro que iniciava uma nova fase na carreira, cantando as próprias músicas. Foi o que foi necessário para o trabalho de Mario Zan se multiplicar pelo país, dados os melhores recursos da RCA em comparação ainda a Continental.

A explosão definitiva foi em 1954, quando uma música ilustraria as celebrações do Quarto Centenário de São Paulo. Segundo a história, o número de vendagens chegou a superar o número de vitrolas na cidade (Reprodução)

No entanto, a explosão definitiva de Mario Zan foi em 1954, quando junto a J. M. Alves, integrante da banda da polícia militar paulistana, compôs o popular Hino do Quatro Centenário de São Paulo. Foi um sucesso sem tamanho para a época e Mario vendeu rios e rios de discos. Conta-se que o número de vendagens – cerca de 1 milhão de cópias – superou o número de vitrolas na cidade. Quem tinha o aparelho chegava a levar duas cópias dada a fragilidade dos discos de 78 rpm, mas até quem não tinha o aparelho comprou um exemplar da gravação.

Outro marco das suas composições foi Nova Flor (Os Homens não Devem Chorar), escrita junto com Palmeira e que percorreu o mundo em várias línguas. Conta-se que há mais de 200 registros fonográficos da canção, sendo em destaque as versões em inglês (Love Me Like a Stranger), espanhol (Los Hombres No Deben Llorar) e alemão (Fremde oder Freunde), além até de chegar a ser tema de novela mexicana há alguns anos atrás.

Em toda a carreira, Mario Zan teve, ao todo e quase redondo, 460 gravações, sendo 300 discos de 78 rpm, 110 LPs e mais de 50 CDs. No entanto, seria na festa junina que Mário Zan tornou-se, de fato, o rei. Novamente junto de Palmeira, compôs a apoteótica Festa na Roça, canção obrigatória em qualquer Festa de São João até os dias atuais. Isto sem contar outro sem-numero de canções relacionadas a festividade e da quadrilha completa, marcada e falada, que ilustra a principal dança folclórica do período junino/julino.

Notadamente, é impossível pensar em quadrilha (a verdadeira, não aquela que mistura “batidão” com algo parecido com sanfona, o que nem se conta) sem o floreio de Mário e a narração dos passos da dança. Isto sem falar na nostalgia que bate, do marmanjo a mulher feita sem exceção, dos bons e inocentes tempos dos arraiás nas escolas. Uma composição imortal no meio de tantos clássicos nacionais em todos os tempos.

Ao longo da vida foram sete casamentos, várias casas de show em que foi dono e reconhecimento e amizade de várias estrelas da música nacional em vários estilos. Até internacionalmente foi reconhecido, tendo uma foto sua exposta no Museu de Artes de Frankfurt, entre outros virtuosos musicais do mundo, considerado como o acordeonista mais sentimental de todos os tempos, além das homenagens no México pelo sucesso de suas músicas.

Mario e a filha, Mariângela, junto de Sergio Reis. O último trabalho de Zan na TV foi junto da filha na Rede Vida, em meados dos anos 2000 (Reprodução)

Seu último trabalho em vida foi junto da filha, Mariângela Zan, no programa Mario Zan e Seus Convidados, na Rede Vida. Ele partiria deste plano em 2006, aos 86 bem vividos e floreados anos, por conta de complicações decorridas de problemas pulmonares. Foi sepultado em frente ao túmulo da Marquesa de Santos, tal como seu último desejo, já que era grande admirador da história de D. Pedro I.

Para quem ficou curioso por mais detalhes da história do Rei da Sanfona, o próprio Mario Zan contou muito da sua vida no mundo artístico em 2005, no programa Ensaio, da TV Cultura, desde os primeiros passos no acordeon até a fama e o reconhecimento de várias gerações.

E é nesse embalo de São João que o SnaB promete voltar na semana que vem, com mais uma incrível história no mundo da música. Se for arrastar o pé, faça-o com muita alegria, no álcool moderação, Mario Zan no ouvido e amor no coração!

Depois de uma rima padrão, vamos seguindo adiante. Até a próxima!

1 comentário em “Som n’A BOINA #21: Mario Zan, o imortal da festa junina”

  1. Festas Juninas
    Festa de São João 24 de junho.
    Mas na realidade tradicionalmente começa dia 13 com Santo Antônio e vai até 29 São Pedro.
    Lembro-me muito dessas músicas que serão eternas e tantas outras. Do tempo das festas nos anos de 1960/70 em Blumenau com muitos tijucanos, portugueses as festas Juninas sempre foram famosas principalmente na EI Garcia no estádio do Amazonas Esporte Clube. Sempre a frente o José Pera que era tamb´me treinador do Amazonas, as festas produzidas por ele e pelos empregados da EIG eram maravilhosas e frequentadas por toda cidade. Eram dois dias de festanças, chegando a por no estádio cerca de 5mil pessoas. Eram realizados as famosas quadrilhas, desfiles, competições, jogos esportivos e toda sorte de atrações. Existiam as festas até de indígenas participando representadas por funcionários. Hoje temos algumas fotos que registram esses momentos mágicos.
    Adalberto Day cientista social e pesquisador da história em Blumenau.

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