Acabou, fim da linha, livro fechado, história contada, é isso ai.
Parece radical falar tantas citações referentes a algo derradeiro, mas a sensação que fica no ar, mesmo que tantas vezes prevista nas bocas pequenas de conversa, é de uma despedida. A conta é longa, 48 anos e 14.841 edições até o anuncio que, se já era visto no horizonte, muitos até queriam que ele não chegasse: O outrora glorioso Jornal de Santa Catarina, para os íntimos da notícia o “Santa” deixa sua vida de impresso diário para tornar-se um semanário em forma de revista.
E quando diz-se que a pedra era cantada há tempos não era nenhuma mentira ou exagero. O desmantelamento e encolhimento da estrutura era visto a olho nu e sentido a cada anuncio de demissões. a cinzenta quarta-feira, 16 de outubro de 2019, foi mais uma desta. Mais 20 jornalistas, entre caras novatas e gente tarimbada, estará ou em busca de novos rumos em voo solo ou em busca de uma nova casa que lhes dê guarida na notícia. E poucos lá ficam para a nova missão sabendo que estarão, de alguma forma, mantendo um nome que não significa só “notícia”, mas também história, registro, presença, opinião.
O JSC era o continuador de histórias escritas no século XX que, outrora, tinha em nomes como os clássicos Der Urwaldsbote, Blumenauer Zeitung e Immigrant ou em recentes como Lume, A Cidade e A Nação os referenciais da notícia fresca e direta em todo lugar, seja no café da manhã ou na fila do barbeiro. Nasceu gigante e as intenções eram gigantes. Era 11 de setembro de 1971 quando a capa anunciava que “dia 22 todo o estado estará lendo o jornal da integração”.
A palavra de ordem naqueles idos era, de fato, “integrar”, fazer Santa Catarina se conhecer e reconhecer nas páginas de um grande jornal como já o fazia a TV Coligadas, sua primeira guarida, desde 1969. O primeiro lar, o elegante prédio da antiga Fábrica de Chapeus Nelsa, na Rua São Paulo, primeiro berço de notícias e histórias fabulosas de fatos e jornalistas lá passados.
E nos planos, o Santa era gigante. Viventes naqueles tempos primários ainda recordam o tec-tec frenético das máquinas de escrever na redação, o barulho ensurdecedor dos equipamentos de telefoto, as rotativas off-set pioneiras no estado que dia a dia imprimiam uma nova leva de notícias. E, depois, o barulho dos furgões com fardos e fardos dos enormes tablóides que seguiriam seu rumo para todos os rincões catarinenses. Do norte ao sul, do litoral ao planalto e o oeste, todos liam-se nas páginas do Santa.
E mais do que um prédio elegante, a antiga Fábrica de Chapeus Nelsa também era escola para tantos que lá escreveram linhas e linhas de notícias, colunas, opiniões, fatos. Muitos professores que correram centros acadêmicos ou seguiram carreira solo estiveram por aqueles corredores, assistiram com suas objetivas e canetas as grandes memórias de uma Blumenau e de um Vale ainda diminutos porém pujantes, se esquivando de enchentes violentas ou vibrando em festas ou esportes.
Alias, que momentos. O Santa é o highlander de um Vale cheio de lances e nuances que valeram de prêmios Esso à capas inesquecíveis. No campo das premiações, a recordação de Luiz Antônio Soares e a saga da Ponte Lauro Muller (Ponte do Salto) que colocaram um troféu de grande destaque na prateleira da velha redação. Já nas tragédias, o impacto de frases como “O Vale pede socorro”, “Blumenau está arrasada” e outras durante a calamidade de 1983. Nas Oktoberfest que assitiu, tinha no “Oktober Zeitung” o Santo Graal do friz e frida perdidos, nas eleições, todos os numeros possíveis, na vida de tantos, a presença sagrada para leitura, senso crítico e informação tão sagradas quanto o café quente na mesa.
Mas os tempos, como o filósofo do botequm diz sempre, “são outros”. A internet mina o papel e grandes nomes das rotativas há muito estão sepultados, vivendo entre cabos da internet. O Santa estava sendo desmontado, os boatos rolavam tanto sobre ele quanto sobre seus co-irmãos de grupo: A Notícias e Diário Catarinense. A cada nova leva de demissões, o temor do fim, a tristeza por menos mercado para o jornalista e aquelas afirmativas misturadas com raiva do tipo “ok, por que não fechar de uma vez?”
E isto não pela qualidade do material, jamais! O malabarismo e atenção ao cotidiano dos jornalistas que lá ainda seguravam a bandeira era de encher os olhos. Equipe reduzida, recursos reduzidos mas muita vontade de fazer a hora e honrar o bom nome do periódico eram quase parte da rotina. Quando o carro deixava a então redação “quase improvisada” no prédio da NSC Blumenau, era uma notícia sendo preparada, uma reportagem sendo aquecida, outro registro para a história do Vale que estaria impresso no Santa no dia seguinte.
E o dia foi chegando, chegando até chegar de vez. O fim da edição diária até parece depor contra os tempos da comunicação que pedem cada vez mais a regionalização dos meios, o que proporciona nesse vácuo o surgimento de veículos menores mas decididos a serem o espelho de uma região cada vez mais carente de um grande veículo que lhe dê mais atenção. A decisão, notadamente, vem do alto e segue números contábeis, que pouco explicam a necessidade de uma informação cada vez mais local e direta, mas que no fim fazem toda esta engrenagem girar com a verba que deles vem.
Sendo assim, chegamos na quarta cinzenta que determinou o fim de uma história. O Santa, assim como seus co-irmãos, passa de diário a uma espécie de revista semanal para os fins de semana, dando fortalecimento a um site central de notícias. O brilho da noticia do dia a dia perde-se um pouco diante da necessária modernidade. Mas se isso é o “moderno”, então o “moderno” é apagar a regionalidade da notícia em nome de numeros? Se a resposta é sim, talvez deva demorar um pouco para saber se os efeitos serão mesmo os ideais, os esperados, quem manda deve saber o que faz mesmo rasgando as lições dos corredores acadêmicos.
E nesta ciranda, a história e suas nuances leva consigo o Jornal de Santa Catarina para os anais. A reverencia de tantos que serviram a ele, se informaram com ele ou se inspiraram nele para seguirem na labuta é eterna e sem tamanho mensurado. Só grandes nomes da notícia merecem as palmas e o reconhecimento pelo serviço prestado em nome do jornalismo do Vale e suas empreitadas. E o Jornal de Santa Catarina, do alto de seus 48 anos e mais de 14 mil edições, as merece independente de qualquer tropeço. É um valente, vitima dos tempos e dos numeros, mas ainda assim um venerável valente das rotativas.
Quando a última edição sair das prensas de Florianópolis para o dia 28 de outubro (previsto), a tenham em mãos como um troféu, um pedaço de história. Ai estará sendo lido e estará saindo de cena o outrora jornal da integração, o primeiro off-set do estado, o valente Jornal de Santa Catarina, que descansa mesmo a contra-gosto de seus leitores e jornalistas, que chega ao fim sem ser esquecido. E só quem fez e contou história merece tal honraria.
Que a nova empreitada como revista seja feliz, tão feliz quanto quatro décadas em papel-jornal diante das grandes notícias do Vale saídas de uma fábrica de chapéus.
Obrigado, Santa!